quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

debochinhos cotidianos

ESTRANHOS DEBOCHADOS
Durante a adolescência (nos anos 90) ser estranho era um fardo. Sofria-se bullying sem repressão. Era-se alvo dos mais variados deboches. Nesse mundo o mar não era de rosas. O mar era turvo... Estranho no sentido de feios, pouco populares com as garotas e alguns ainda chatos. A feiura é algo irresolúvel, mas passível de ser melhorada com o efeito do tempo e a consequente diminuição da falta de ‘interessância’. Da mesma forma é possível aprender a ser menos chato. Nesse contexto do progresso no tempo, a popularidade com as garotas deixa de ser absolutamente uma nulidade.
O estranho tem que se puxar por outros lados. Tem que ser atraente de alguma forma, na medida em que sua estética já não o ajuda. Assim, ter um bom humor refinado é uma via possível. Trilhável. Ser engraçado é um qualificador decisivo. Os infelizes deboches da juventude são progressivamente substituídos por deboches com o fundamento das coisas, com a categoria para não ser cansativo e a educação necessária para não ser desagradável. O fundamento é valioso no deboche, pois o deboche só pelo deboche, ou seja, sem fundamento, acaba sendo vazio e pouco valor agrega além de risos sem significado. Isto é, se só falar sobre o fundamento das coisas é chato, de outro lado o deboche no vácuo revela a falta de categoria do debochado. A educação é fundamental para que não falte ‘desconfiômetro’ na galhofa, ou seja, para sacar o contexto e não resultar em inconvenientes fracassados. Na hora de dançar, então, vale ouro ser um estranho engraçado. Normalmente as gurias dão risada. E assim o acesso já se vê mais facilitado... Felicitado! Felicidade na vida acaba passando pela capacidade de rir e saber provocar belas gargalhadas. Importante ressaltar que para conseguir o deboche qualificado deve-se não se levar tão a sério. Só rindo de si mesmo aprende-se a rir com categoria e elegância.
Jayme C.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Idealizar ('amor fati')

Acho que o primeiro passo para não idealizar o outro é não se auto idealizar. Ter uma noção mais clara da sua origem e da sua história ajuda para não incorrer no autoengano. Nesse ponto a terapia pode ser um importante aliado. Assim sendo, é preciso nos enxergar como de fato somos para enxergarmos o outro como ele de fato é. Talvez seja uma relação mais justa, porque mais real, entre pessoas concretas e não imaginadas, imaginárias... Cada sujeito tem um tempo mui particular nesse movimento de consciência de si. E assim cada sujeito tem uma determinada condição de não projeção sobre o outro. Por vezes algumas pessoas demoram muito tempo para melhor se compreenderem. Outras pessoas levam a vida toda. E essas normalmente acabam tendo dificuldades em ter relações concretas. Aquele que projeta o que não é, para quem não existe, fatalmente atrasa a felicidade. Nesse contexto o tempo se coloca como uma questão fundamental. Ele surge como um requisito para o real conhecimento (de si e do outro). Isto é, se o autoconhecimento demanda tempo, o que se pode esperar do processo de conhecimento do outro? A vida nos cobra a tranquilidade de saber que relações sólidas demandam tempo, porque conhecer o outro demanda certo tempo. A pressa implica afobação e no conhecimento isso resulta em atropelo. A serenidade no processo de conhecimento de uma pessoa garante uma maior maturidade no laço, pois as fases do processo foram vividas sem a pressão da aceleração do tempo. Normalmente são as nossas carências que nos fazem projetar no outro o que não é originariamente seu. O que acarreta que a projeção não seja apenas ruim para aquele que projeta, mas também para o outro que é injustiçado no olhar dirigido a si. Só há combinação de consistência e leveza se não há projeção. Creio que ter uma atuante autocrítica também é um aliado deveras significativo. Um último ponto merece ser destacado. Não idealizar e querer não ser idealizado pode ser visto como uma madura forma de amor. Isto é, desde sempre desejamos que o outro goste daquele que concretamente somos. Então, ao filtrar a idealização fugimos da caverna platônica em suas formas imaginárias e nos encontramos com Nietzsche – em sua defesa do “Amor Fati” (do latim amor, nominativo singular de amor,óris: 'amor a algo' e fati genitivo singular de fatum,i, 'destino'). O amor ao destino é a vivência desapegada da idealização. Daí "amor fati" ser amar o inevitável, amar o destino, amar o justo e o injusto, o próprio amor e o desamor. Ou seja, "ser, antes de tudo, um forte" (Nietzsche), sem reclamar da vida, sendo superior até mesmo ao próprio sofrimento.
Jayme Camargo, 19 de dezembro de 2013, 01:42.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

amor antropológico

O RE-FLORESCIMENTO DO AMOR EM PORTO ALEGRE
No último 24 de Novembro (domingo no parque), no Araújo Viana, duas falas me chamaram a atenção. Tonho Crocco e Edu K falaram, e defenderam o amor. Minha surpresa não derivou dos sujeitos falantes, porém da importante qualificação no fundamento de suas falas. Por ser mais próximo de Tonho (ou menos distante), vou destacar mais a fala do “Defalla” do que a do groove pensante da Ultramen (melhor banda gaúcha dos últimos 20 anos). Edu K disparou com sabedoria e propriedade: “que maravilha, voltei à Porto Alegre e vejo que estão acontecendo diversos movimentos, as pessoas estão agrupadas e fazendo coisas interessantes – isso gera amor”! Tanto Edu K quanto Crocco estiveram na Oswaldo Aranha dos anos 80/começo dos 90. Isto é, participaram de um dos últimos “guetos antropológicos” de Porto Alegre – que legaram significados culturais para a cidade. Infelizmente os meus 30 anos não me permitiram vivenciar essa época. Porém, uma das mais sábias opções que fiz foi escutar diversos amigos que estavam lá e participaram daquele mo(vi)mento. As pessoas estavam na rua ocupando o espaço público e fervilhando idéias, ideais e outras trocas simbólicas que só às experiências-de-rua (mundo da vida) possibilitam. Suponho que Edu K ao falar sobre a província de hoje, de certa forma, teve um pouco na história o seu referencial. Não acho que a comparação seja o caminho mais fiel aos dois momentos. Entretanto, há uma pulsão de vida novamente fervilhando na cidade. Lembro uma frase de minha mãe, aos seus 60 anos de trajetória e antropóloga de formação: “há anos eu não via nada começar em Porto Alegre!” – referindo-se às manifestações ocorridas em junho na província e no Brasil. São diversos os movimentos que novamente estão agrupando pessoas e essa (re)união revela a socialidade viva no imaginário e nas práticas. Temos os importantes movimentos de ocupação dos espaços da polis como o “Largo Vivo”, “Ocupe Porto Alegre”, “Redenção iluminada”, etc. Coletivos de diversas áreas e temáticas também agrupam e promovem debates (tal como o “Sororidade viva”). Temos fortes nichos feministas que conferem solidez à causa em questão. Enfim, cito em nome da ilustração apenas alguns, pois seria deveras longa a lista que contemplasse todas as vertentes. O resultado disso tudo: o reflorescimento do amor em Porto Alegre. Amor não só entre as pessoas e em suas mais diversas formas e níveis, na medida em que passam a estarem mais próximas; mas também o amor em geral, amor pela cidade, pelas idéias defendidas, pela vida cotidiana como um todo. Quiçá a primavera em Porto Alegre seja a época das flores não só enquanto beleza natural, mas também enquanto antropologia da vida em sua forma mais universal: o amor!
Jayme C.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

sobre o feminismo

Sou um homem feministo (a condição masculina e o feminismo) 

Eu nunca bati em nenhuma mulher, mas já tomei uns safanões. Menos mal que não fiquei traumatizado. Brigas em fim de relacionamento. Acho que a minha (in)capacidade em deixar irritadas as namoradas que estão virando ex-namoradas, aliadas a sua fúria ferina, resultaram em alguns arranhões em mim. Tive uma ex-namorada que era mega forte e braba também. Mulher incrível e maravilhosa, diga-se de passagem. Ela é leonina e certamente eu levei umas unhadas suas. Em uma de nossas brigas terminais, eu estava meio gambá do uísque e quebrei o vidro de uma porta com um soco para descarregar a minha raiva. O descontrole é sempre uma merda, mas somos passíveis enquanto humanos passionais. Foi ridículo de qualquer modo, entretanto, muito melhor descontar em um ser inanimado do que causar dor ao outro sensível. Outra ex-namorada tinha um ímpeto agressivo e pouco jogo-de-cintura em brigas conjugais. Certa vez pegou um pedaço de madeira e eu tive que sair porta a fora de casa para não sofrer piores mazelas. E se eu não tivesse saído? Acho que aqui reside um ponto.

Algumas mulheres por vezes se descontrolam. E se estão perto de sujeitos que vão apenas se defender e não contra ataca-las, então elas podem se beneficiar desse artifício. É importante não esquecer o contexto: mulheres furiosas, em brigas terminais, agindo com agressividade frente a parceiros que apenas se defendem. Esse é um caso raríssimo onde a condição de mulheres é protegida. Pois se eu e minha ex trocássemos de papeis no episódio do pedaço de madeira, já seria uma violência simbólica de ameaça (violência moral) que mui provavelmente a “Maria da Penha” categorizasse. Puxa vida, acho que deve ser isso o significado de viver na sociedade do risco... Esse risco as mulheres sofrem desde sempre dado à estrutura de mundo machista. Os artifícios e prerrogativas normalmente estão todos do lado dos homens. Nessa ínfima condição muito específica que contextualizei, acredito residir o mais próximo (ou o menos distante) que os homens conseguem chegar das injustiças que as mulheres passam no cotidiano. Aliás, essa é uma acertada tese de várias feministas, isto é, que os homens nunca vão conseguir saber como se sente uma mulher em um mundo machista full time como o nosso. Daí defenderem a não presença masculina em alguns dos seus espaços de reconhecimento. 

É nesse emaranhado de novelos que me aproprio do termo cunhado pelo Juremir Machado da Silva – e lhe confiro um sentido empírico: sou um homem “feministo”! Talvez reflita a condição de alguns homens, a saber, sensíveis à defesa dos direitos feministas, porém cientes de sua condição existencial masculina. Sobretudo em sendo fruto mais de grandes mulheres do que de grandes homens, como no meu caso. Fecho fácil com Pepeu: “ser um homem feminino não fere o meu lado masculino, se Deus é menina e menino, sou masculino e feminino”.

Jayme Camarg

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Vitor Ramil e Edu K

Vitor Ramil, Edu K e os gaúchos (con)gelados no medo de se expor.

Domingo fui ao show no Araujo Viana. O domingo no parque estava maravilhoso. Puro groove da melhor qualidade. A reunião de Tonho Crocco, Funkalister, Luis Wagner, Paulo Dionísio, Andréia Cavalheiro, Edu K só poderia garantir o mel do melhor. Ao entrarmos no Araújo sugeri que fossemos para o lado esquerdo do palco onde alguns poucos estavam assistindo o show em pé, dançando. Ora, com essas joias a Black music invadiu meu corpo e não me fez querer ficar sentado. Talvez porque eu seja crioulo e quando olhava de relance para a plateia via um Araújo caucasiano e sentado. Talvez não. Conheço muitos brancos que dançam tais como os que estavam lá no cantinho curtindo o show sem medo de ser feliz. Creio que esse seja o ponto. O medo de ser feliz. A galera na província anda deveras preocupada com o que os outros pensam e vão falar sobre si. E como aqui é uma cidade grande pequena, ou seja, na qual todo mundo se conhece e se intromete (tal como eu ao escrever esse texto), fica todo mundo comportado mesmo que o desejo seja o extravaso. Enfim, quando Edu K subiu ao palco sua primeira fala foi: “aí, galera, vamo se levanta, vamo se divertir é hora da chalaça!”. Não adianta, normalmente a maloqueiragem assegura uma vibrante presença de palco. Não à toa Edu K desceu do palco e enlouquecido subiu nas estruturas do Araújo no primeiro momento catártico do show. A partir daí a coisa vibrou com mais intensidade. Ontem fui ao show do Vitor Ramil no salão de atos da reitoria da UFRGS. Bem, se no Araújo que a coisa tinha tudo para ser naturalmente mais maloqueira e não foi, imagine na reitoria para um show mais intelectual e com a “crasse” média universitária da federal?! O show não começou gelado, começou congelante. O maravilhoso Vitor Ramil com a sua categoria musical e a queridês de sempre, ao tocar “Estrela, estrela” não deixou de observar. Ninguém cantarolou junto uma música que, normalmente, ele nem precisa cantar, pois o público leva a melodia com a sua cantoria. Na mesma hora me lembrei das inúmeras vezes que havia o visto tocar no próprio salão de atos essa canção, e o quanto havia sido de plenitude a sinergia entre músico e plateia. No mesmo horizonte de Edu K, Vitor pediu que o público semi-moribundo viesse a se manifestar. E a partir daí o show fluiu com mais sangue, mais vida, pois tal é a condição da música, isto é, nos retirar do marasmo existencial que por vezes o nosso cotidiano muito racional nos afunda. Porto Alegre parece precisar menos lulu e mais Lulu, o “Santos”, ao passo que “vamos nos permitir, pois não há tempo que volte amor, vamos viver tudo que há pra viver...”!              

Jayme C.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

música e cotidiano



É necessário ter o caos dentro de si para gerar uma estrela (Nietzsche)

Tudo se transforma em melodia com Jorge Drexler: música e cotidiano

As canções de Jorge Drexler são sensíveis e inquietantes. Sua poesia em espanhol é facilmente compreensível em português. É uma poesia recheada de diferenças. A sonoridade também é tomada por gostosas misturas. As melodias das suas canções brincam de diferentes maneiras. Brotam de diversas culturas. Cada musica é uma imersão em uma experiência única. E assim formadora de luminosos instantes poéticos. Instantes eternos, sentidos via sensibilidade. A harmonia do uruguaio também tem um quê de “sinergia entre o arcaico e o tecnológico”, parafraseando o provocativo sociólogo da cultura Michel Maffesoli. Afinal, Drexler junta colheres de alumínio batendo em taças de vidro com “samplers” e outros recursos eletrônicos; tal como na italiana “Lontano, lontano”. Por isso a referência à arte do uruguaio associada à categoria que Maffesoli utiliza – ao descrever o cotidiano pós-moderno de nossa época. “Lontano”, que significa longe em italiano, marca uma distância que não se verifica em relação à pluralidade idiomática na arte de Drexler. Ele canta em inglês, português, o natural espanhol, como também no italiano de lontano. Escutando algumas músicas pensei em algo como uma milonga pós-moderna. Aliás, há muita milonga nas canções de Drexler, porém temperadas com muitos efeitos e detalhes que as conduzem para além das tradicionais milongas de outrora. Drexler cria com muita sensibilidade pequenos lugares em suas músicas. Tais lugares criam um espaço de transcendência poética daquele que escuta ao conjugar sensível e profunda poesia com melodias incríveis.

A musica “la vida es mas compleja de lo que parece” (a vida é mais complexa do que parece) traz o importante tema da complexidade do cotidiano. Enquanto em geral somos guiados pelos objetos, a linearidade de nosso olhar nos cria o obstáculo de “ver” a profunda complexidade das coisas além-superfície. Diz a canção: “Yo estaba empeñado en no ver, Lo que ví, pero a veces, La vida es mas compleja de Lo que parece”. No horizonte da complexidade, que segundo o pensador Edgar Morin diz “tudo está ligado a tudo”, Drexler canta o desencanto de Disneylândia. E sua Disney está essencialmente nesse cruzamento de tudo com tudo. Há certo tom árabe distante em que Drexler cantarola essa poesia. Ora, se Disneylândia pode ser considerada o símbolo do ocidente – enquanto que o mundo árabe nos remete ao não-ocidental, então a canção nos coloca de frente às ironias do consumo de “Mickeys”.

No horizonte de uma velha querela, Drexler canta uma milonga de um mouro-judeu que vive com os cristãos, e que é irmão de todos dada a sua origem. Sim, não há povo que não se (a)credite como o povo elegido. Enquanto seres humanos, somos todos o tal povo escolhido. É a possibilidade do encontro na diferença. Já “Guitarra y voz” mostra que algumas vezes o sentido vem sempre no fim.

Em todas as suas composições os sentimentos fazem ”Eco”. Eles vertem. Um romantismo permeado de sagacidade. Por vezes de forma imagética na descrição, como o sujeito que olha pela janela do bar e vê em todas as mulheres que passam aquela que ele ama (“Causa y efecto”). Às vezes como nas “Horas” que passamos plugados com aqueles que amamos. Também imagética a metáfora de “Cara B”, pois quantas vezes não arranhamos o nosso relacionamento ao cobrarmos aquilo que não é real. “Inoportuna” rememora que os amores e paixões não avisam a hora de chegar – eles nos atravessam. Cruzam a nossa vida causando uma deliciosa sensação de “o que devo fazer?”. Não queremos respeitar o tempo nesses momentos, ou seja, o amor é urgente!

Na música “La infidelidad de la era de la informática”, não há separação entre forma e conteúdo. O barulhinho do MSN na melodia, adicionado a temas da era da informática em sua letra, retrata uma nova condição de administração dos espaços em um relacionamento afetivo: o espaço virtual.

Em seu último trabalho, “Amar la trama” (2010), o compositor veio com um disco marcado por instrumentos de sopro, com uma minuciosa atmosfera jazzística. Nesse sentido, “Mundo abisal” – talvez a melhor música do disco – nos conduz a uma imersão ao interior do mundo do amor. Tanto enquanto amor carnal, pois Mundo abisal é a descrição da cópula perfeita; tanto enquanto ao mais abstrato, pois é a descrição do amor enquanto a sensação do sublime. No clímax da canção temos a imagem de estarmos transcendidos ao mundo abissal. E é quando entra um solo de saxofone abafado, lá embaixo. Dentro de tal mundo...

Poderia continuar por mais diversas canções a encontrar significativas referências de sentido. Entretanto, paro não sem “Antes” descrever como tudo se transforma em melodia com Drexler. Disse Lavoisier: "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". E Drexler transformou em poesia.

Sua canção ilustra que ao nos relacionarmos está em nossa natureza projetar aquilo que recebemos, isto é, aquilo que já trazemos como nossa bagagem; pois já sempre estamos em algum ponto de nossa própria história. Afinal, somos seres históricos. Assim sendo, quando nos encontramos com o outro, “cada uno lo da, lo que recibe, y luego recibe lo que da”. Damos a projeção de nossa história e ao mesmo tempo somos projetados historicamente pelo outro. Assim nos relacionamos. Não poderia haver mais bela conclusão: nada se perde, pois tudo se transforma! Tudo se transforma em história quando estamos afetivamente juntos ao outro. E desse modo tudo se transforma em nossa história. É o colorido da vida. Talvez como Nietzsche, Jorge Drexler perceba a existência humana como a atividade de dar cores ao cotidiano.

Jayme Camargo da Silva

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

elite

A ELITE BURRA (e a náusea que causa)

Tenho amigos na elite (ricos e bem nascidos), ao passo que o coração é um critério e não o bolso no momento da escolha afetiva. Entretanto, após conviver durante quinze anos com diversos tipos de sujeitos abastados aprendi a conhecê-los. E tem um tipo que eu desprezo com toda a repulsa possível devido à náusea que me causam. Falo de uns playboys babacas que passam a vida protegidos e quando acham que são adultos começam a emitir opiniões sobre a vida em geral. No início são protegidos fisicamente nas cascas existenciais que a elite cria para resguardar seus frágeis bebezinhos. Com o passar do tempo à proteção passa a ser simbólica, isto é, via cartão de crédito da família. Criticam cotas universitárias para minorias étnicas sendo que o papai pagou um colégio bom e caro para ter a entrada facilitada na federal. São contra médicos estrangeiros para atender aos pobres, mas quando ficam doentes contam com um plano de saúde classe “gold” e o amparo de qualificados hospitais como o Moinhos de Vento. Quando se formam na universidade contam com a influência do papi para imediatamente ingressarem com tranquilidade no mercado de trabalho. Ou seja, não fazem ideia do que significa a sigla “Sine”. Quando completam 18 anos vão tirar a CNH para dirigirem o carro ganho de presente; e assim bradam quando protestos pela redução das passagens atrasam a sua ida para a academia de ginástica. Passam a vida toda convivendo alheiamente com a corrupção da direita, mas só gritam quando a esquerda está no banco dos réus. Querem a redução da maioridade penal, na medida em que o encarceramento da pobreza é a solução mais fácil para que suas vidas sejam mais tranquilas. Muitos são racistas, machistas e sem qualquer alteridade; ao largo do capitalismo e suas consequências oportunistas. Em suma, esses sujeitos não lapidam a sensibilidade devido a sua trajetória de vida; não aprendem nada com as suas vivências plastificadas. Falta-lhes pele. E somado a esse aspecto são despreparados intelectualmente. Faço a ressalva: conheço grandes intelectuais de direita – de fato não é esse o meu ponto. Refiro-me aos sujeitos que tiveram todo o benefício estrutural e não leem dois livros por ano. E o único que leem até o fim, normalmente, é de autoajuda ou de literatura medíocre ala Paulo Coelho. Pois esses intragáveis sujeitos opinam sobre as inúmeras circunstâncias que referi. Sem ter o menor preparo de uma vida vivida de verdade, e tampouco a instrução conceitual que o dinheiro poderia ter comprado. Contra esses fica o meu apelo: deixem as questões de envergadura da vida cotidiana para quem se prepara para lidar com elas. Tanto na pele como na cabeça. Para finalizar, lembro uma discussão sobre direitos humanos que tive ao fim de uma aula ainda no curso de direito, com um “jiujiteiro” mais ou menos aos moldes que descrevi. Eu disse para ele: “nunca mais vamos conversar ou discutir; somos de academias diferentes”. Na verdade, a diferença é maior. É uma questão de “crasse”!

Jayme C.             

terça-feira, 12 de novembro de 2013

oscar wilde e dorian gray

Para Cândida

Parabéns com Oscar Wilde (sobre almas eternamente belas)

Desejei feliz aniversário da seguinte forma: “muitos parabéns, que tu sejas eternamente bela como Dorian Gray!”. E a garota respondeu o seguinte: “Talvez obrigada. Não sei o real sentido da tua frase... Qual a razão pra ti? Pelos parabéns, sincero obrigada!”. Daí lembrei que muito embora a beleza, o personagem do livro de Oscar Wilde é totalmente sem escrúpulos. Minha intenção, entretanto, era nobre... Fui movido por algo subjetivo, além da muito sutil proximidade fonética de parabéns com Dorian Gray. Ou seja, estava me referindo à alma da menina aniversariante. Eis a essência parabenizante da referência. Meu horizonte o fato da alma ser exatamente aquilo que podemos tornar eternamente bela em nossa existência. Basta nos preocuparmos com ela e irmos a esculpindo. Ora, é nosso corpo que sofre a corrupção do tempo. Daí a busca do personagem de Wilde. Dorian Gray era um rapaz extremamente lindo da sociedade londrina. Ao servir de modelo para um amigo pintor, desejou que o quadro envelhecesse em seu lugar para que continuasse eternamente jovem e belo. Seu desejo é atendido e a partir daí a sua vida muda. Dorian se transforma em um sujeito egoísta e mau; muito embora a beleza assegurada com o não envelhecimento obtido. O seu equívoco habita no ponto ao qual me apoiei ao utilizá-lo com a garota. Quiçá Dorian devesse ter se preocupado com a alma ao invés da carcaça. É possível que os deuses tivessem lhe reservado um destino melhor. Uma alma eternamente bela tal como a da aniversariante. Que, todavia, também é linda no sorriso; assim sendo, desejo que preserve a beleza subjetiva na passagem do tempo!

  Jayme C.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

edukators

Por favor, você me dá licença, obrigado!
Tenho evitado escrever sobre o comportamento das pessoas com relação à cidadania e educação. Minhas limitações me impedem de cobrar a cidadania alheia, na medida em que eu próprio ainda não sou um cidadão 100 %.  Minha última campanha comigo mesmo é nunca mais jogar bitucas de cigarro no chão. Entretanto, se tem um aspecto no qual faz tempo que eu me condicionei a ser educado é no por favor, com licença e muito obrigado! Eu e o querido do Rodrigo Schuster estávamos em uma festa e quando fui pegar um etílico no bar ele não deixou de observar: “puxa vida, Jayminho, és dos primeiros que eu vejo que tem educação ao ser servido por alguém na noite; o normal das pessoas é não pedirem por favor e tampouco dizerem obrigado!”. O Schuster não só é gente fina como amigo, mas é um amigo gente fina, isto é, um sujeito deveras educado. Outra razão me faz escrever sobre esse ponto. Semana passada ao tentar me locomover em uma festa aqui da província, fui pedindo licença até que um paquiderme existencial resolveu me xingar por eu ser educado. A besta humana achou que eu estava sendo irônico ao pedir licença e queria tumultuar. Na mesma hora tive a impressão que o caos estava se aproximando. Quando a educação é compreendida como ironia, ou seja, não é compreendida, então de fato fica provado o nosso fracasso como civilização. Já tinha passado por situações parecidas, pois as pessoas nesse quesito de deslocamento no interior de lugares abalroados não tem a mínima gentileza. E gentileza gera gente ilesa. Do contrário damos vazão ao nosso lado animal e acabamos promovendo pequenas barbáries.

Jayme C.     

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

travessia e futebol

O épico fato e o patético Pato
Após passar 16 das últimas 24 horas em um ônibus, no horizonte São Borja bate e volta, pedi ao motorista que me deixasse na praça do avião em Canoas. O relógio marcava 21hs e 36min. Caminhei em umas ruas semi-escuras em direção à estação do trensurb. Tomei o trem e o jogo já havia começado em meus ouvidos ligados no velho radinho de pilha. Desci na estação Anchieta e caminhei o trajeto de um pouco mais de 1 km, no meio do barro e da água acumulada no sofrível entorno da Arena. Em minhas costas uma pesada mochila fruto dos recém-chegados de viagens. Travessia realizada, entrei no estádio aos 34 da primeira etapa. A frustração por ter perdido a primeira meia hora da peleia, suplantada pela alegria de estar novamente junto com o meu time almado. Fui ao meu lugar de sempre e nele encontrei os novos amigos que dividiram comigo a arrancada “milagre da luz” - que o Grêmio teve a partir do confronto com o Cruzeiro. Naquela partida algumas previsões foram feitas a partir da queda de energia e ao se confirmarem ficaram conhecidas como o tal milagre. Tudo passou divinamente a dar certo, até mesmo 3 zagueiros e 3 volantes que passaram a ser escalados. Ontem, mais uma vez, reverberou o eco de uma previsão feita antes do fato. Em meio à pressão que ajudava a fazer antes de iniciar as penalidades, disparei: “o Dida vai defender o último pênalti do Pato que vai chutar rasteiro!”. Falei isso comprometido com a micro tese que tenho, a saber, que o Alexandre Pato é o maior blefe da recente história do futebol mundial. Ele nunca jogou coisa nenhuma. Pato deve ser lembrado mais como uma foca que como jogador, ao passo que nosso imaginário ao pensar em algum lance seu iluminado não consegue lembrar outro que as embaixadas com o antebraço. A sua cobrança foi lamentável. Além de revelar descompromisso e irresponsabilidade. Obrigado, Pato, por mais uma mentira sincera desvelada, essa pode valer um campeonato!
Jayme C.

São Borja

Diário de São Borja (o eterno retorno da história)

Após 8 horas de viagem cheguei à terra dos presidentes. É uma quarta semi-abafada, de uns 25 graus, e essa conjunção reflete a densidade existencial que sinto na cidade. Pergunto a um transeunte onde é a padaria mais próxima. Ele me indica um minimercado chamado Alaska (que também tem pães). Eu não queria um mercadinho. Queria uma simples e gostosa padaria de interior para poder tomar um justo café da manhã com um pãozinho novo. Resolvo tomar um taxi e ser mais explícito ao pedir uma padaria ao taxista. Ele me leva a maravilhosa padaria “Kitutes”. Kitutes demora apenas um café da manhã para se consagrar como a padaria do meu coração em São Borja. São 8 e meia da manhã e eu devo ir ao foro pegar um processo. Passarei o resto do dia viajando de volta à POA. Assim sendo, opto por ir caminhando e observando as pessoas e suas práticas, as construções baixinhas, enfim, libero meu lado antropólogo urbano e tento compreender algo do imaginário dessa terra que extemporaneamente me cativou. Paro para olhar o nome de uma rua em uma placa e vejo em seu canto sobre um fundo azul os dizeres: “Terra dos presidentes”! Juntamente com uma foto de Getúlio ao lado de uma de Jango. Em todas as ruas a história se repete. Desconfio que a densidade antes referida também passe por esse eterno retorno da história presente em suas ruas. As pessoas em geral são simples, amáveis e prestativas. E muitas são bugres e não caucasianas puras de olhos azuis – fator que me gerou uma identificação étnica entre seus habitantes. Ao chegar à rodoviária me deparo com uma criança e sua mãe. Elas manifestamente eram pessoas com dificuldades financeiras. A menina se chamava Gislaine e era uma graça: pura simpatia e um carisma já despontando aos 6 anos de idade. Perguntei quando era seu aniversário. Ela disse que já tinha feito em 3 de outubro, mas que tinham esquecido de convidar os convidados. Sua mãe explicou: “é que o pai dela prefere dar roupas a fazer uma festa de aniversário, é tudo muito caro”. Pedi que Gislaine cuidasse da minha mochila enquanto eu ia ao banheiro e assim na volta eu daria um presente que ela escolhesse. Fomos até uma lojinha da rodoviária e Gislaine escolheu a bola verde. Também provei do eterno retorno da história, lembrando em quantos inúmeros aniversários o meu deleite havia sido ganhar uma bola nova. Assim me despedi de São Borja, contaminado pelo sorriso da menina e mais feliz por tê-la alegrado.
Jayme C.


segunda-feira, 7 de outubro de 2013

lua e estrela

Um domingo quente

Os domingos quentes na província me remetem ao suor, mas também ao tor por. De felicidade. Eu havia conhecido uma garota em um churrasco de aniversário de um querido amigo na zona sul. Tipo comédia romântica. Peguei carona com um lindo casal de amigos (que se conheceram na minha despedida quando fui morar em Brasília) e no caminho fomos resgatar uma amiga da minha amiga. Para ela também ir ao tal churrasco. O casal de amigos lhe dissera que iriam apresenta-la a um amigo que começava com a letra Jota. Detalhe do destino é que não era eu. Mas eu estava no carro e assim acabei a conhecendo antes do outro jota. Rimos, debochamos e depois falamos sobre a vida. Uma semana e um dia depois, além, é claro, de algumas profundas e poéticas conversas facebookeanas, estávamos eu, ela, e seus amigos, em um domingo quente no Gazômetro. O fatídico domingo em que a lua e a estrela se aliaram no céu. Se alinharam como Vênus enquanto deusa do calor. O grupo não deixou de observar, a tal garota tirou uma foto e (me) provocou: “diz uma legenda aí, tu que gosta das palavras!”. Demorei até ter a iluminação divina. O grupo cobrou: “tá, e aí, cadê a legenda?!”. E num lampejo de luz, subitamente, vislumbrei: “no domingo quente, a lua e a estrela no céu que as preenchem”. Assim nos entregamos. Dançamos ao som de Clara Nunes. Agora, vida que segue e se encarregue do horizonte...
Jayme C.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

trair

Por que não trair?

Tive uma dose sensivelmente cavalar de porque não trair. E foi em um momento lindo, não com apenas dor no coração. Ao menos em parte, isto é, da minha parte. Andamos de bici no pôr do sol, sentamos na beirinha do rio e admiramos as múltiplas cores do céu pós-sol que se pôs. Bebemos por aí, bebemos tango no Odeon. Sentamos em uma praça já tendo nos emaranhado. E aí ela contou. Havia passado pela dor da traição. E chorou, chorou... A tristeza que parece estar sendo superada refletia com mais brilho seus iluminados olhos mel-esverdeados. Ao falar de sua história eu não conseguia compreender como algum babaca poderia ser protagonista daquela escória. Ela é sensível, bela e interessante. Como alguém pôde abdicar de um amor tão pleno fazendo tatuagens de sofrimento? Era inexplicável para mim. Eu estava ali, exatamente no outro ponto da história, começando a conhecê-la e adorando esse processo. Não deixei de dividir com ela essa concreta dúvida hiperbólica – já aproveitando para afagar e fazê-la sorrir. Foi muito bizarro perceber como podemos fazer tão mal para pessoas tão maravilhosas. Lembrei, obviamente, das cretinices que patrocinei. Pensei e me penitenciei pelos equívocos praticados. Ali naquele momento percebi o quanto não quero estar no polo oposto ao que estou. A merda que ela passou, de certa forma, acabou possibilitando o nosso encontro provinciano. E nesse momento único que atravessamos já me legou ensinamento via sentimento.
Jayme C

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

espiritismo e amizade

Um anjo chamado Roberto (crônica sobre espiritismo e amizade)

Um dos queridos amigos da faculdade de Direito se chamava Roberto Peruzo Barbosa. Era mais conhecido como Beto ou Betinho. Tínhamos um grupo de amigos que sentava ao fundo da sala e Beto era um dos nossos. Muito embora ele transitasse com tranqüilidade em todos os nichos antropológicos da turma. Ou seja, Beto se relacionava bem com todos, dos pretensamente intelectuais e comunistas às patricinhas de pele laranja. Tinha grandes amizades de longo tempo em sua vida. Acabei me aproximando de seus amigos, na medida em que em algumas oportunidades joguei bola e dei algumas bandas com eles. Eles sempre me trataram com carinho e sem preconceitos, muito embora fossem da elite provinciana; algo que me fez pensar como o preconceito por vezes se disfarça mais de hippie do que de Hilfiger. Betinho era um porto seguro de qualidades. Era bonito, muito inteligente, generoso, rico e desapegado. Foi certamente o sujeito da turma com maior sucesso afetivo com as colegas. Tinha de fato inúmeras virtudes e não dava bola pra elas. Lembro com nostalgia ele sentado ao meu lado na sala de aula e dizendo: “Jayminho, tens que te superar a cada dia, a vida nos exige constante crescimento...”. Beto foi o primeiro a me chamar do modo como meus grandes amigos passaram a fazer. Ele faleceu em um melancólico sábado chuvoso véspera do dia das mães de 2007. Fiquei muito triste com a perda daquele amigo maravilhoso.

Semanas depois comecei a fazer o fitness na Redenção totalmente motivado pelo problema cardíaco que havia levado Beto embora. Em uma dessas manhãs de fitness no parque me encontrei com a sua mãe. Ela me olhou, nos abraçamos e choramos. Ela falou e mudou a minha vida: “O Beto gostava muito de ti. Muito mesmo. Tua influência fez com que ele se aproximasse mais da literatura. Além dele ser grato pela ajuda na monografia”. Aquelas palavras mexeram muito comigo. Eu sempre havia me sentindo um amigo menor, ao passo que ele contava com amigos de mais trajetória dividida. Todas as minhas amizades foram re-significadas a partir desse momento. Percebi que não havia mais espaço para contestar o afeto de vários amigos que manifestamente com esse laço me consideravam. Não questionar o amor dos amigos ajuda a resolver as relações. Tornando-as maduras, sólidas e não-carentes (independentes). A mãe de Beto concluiu: “sabes que ele era espírita, né?! Já mandou um aviso dizendo que está muito bem e que não é para lembrar-se dele com tristeza e sofrimento”. Foi aí que percebi que Beto era um anjo. O desapego dos bens materiais (que, repito, ele tinha em abundância) justifica o fato de ter desencarnado tão jovem. Já estava espiritualmente pronto. Não merecia mais as dores dos homens, pois levitava sobre elas...
Jayme C.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

futebol



Fim da era Dale? (uma pergunta em favor de Ribeiro Neto)

Devo ser o gremista que menos odeia e mais admira o Dalessandro. Todo aquele que gosta de futebol acaba admirando o futebol do gringo. Ele é o modelo de articulador eficiente e campeão. Faz toda a meia cancha jogar. Faz o movimento necessário para que o time ganhe a partida, isto é, toma conta do meio campo, lugar em que sabemos se decidem os jogos. Mesmo nesse inter irregular do Brasileiro de 2013, Dalessandro é disparadamente o melhor jogador do colorado. Entretanto, o time não repete a consistência de outrora. E nas derrotas o caça as bruxas não separa mocinhos de vilões. Todos passam pelo crivo dos milhões de entendedores do futebol. Não seria diferente com Dale. O jornalista Ribeiro Neto da Band AM 640, defende que a era Dale acabou, que parte da inconsistência colorada passa pelo fim do ciclo de seu principal maestro. Na derrota do último domingo para a Portuguesa, Dalessandro respondeu a Ribeiro Neto, na coletiva após o jogo. Disse que ficaria por muito tempo no colorado e que não adianta quererem tirá-lo de lá. Em um primeiro momento, a idéia de mandá-lo embora parece absurda e incoerente, ao passo que como referido acima, Dale é o melhor do time. Porém, pensando e repensando, talvez Ribeiro Neto tenha alguma razão. Eu disse talvez. De fato, estou em dúvida. Ressalvo para que ninguém venha pesar com ufanismos vermelhos. O papo aqui é futebol e não sobre gremistas e colorados. Enfim, Dalessandro está há 5 anos e meio no Beira rio. Raramente alguém permanece tanto tempo em um mesmo clube. Ganhou quase tudo pelo inter. No entanto, a fadiga dos metais costuma nos mostrar a importância de mudar. É difícil continuar motivado depois de estar no ápice. Lembremos que esse já será o segundo ano seguido de um time desorganizado no colorado. O fato mencionado antes de Dale ser o motor e alma do meio campo é exatamente o que pode estar descarrilhando o inter, pois o natural desgaste está colocado. O condutor do time é como o maquinista de um trem, deve sempre ter um olhar no horizonte. Pergunto aos colorados, será que Dale ainda o tem? Será que seu destaque individual se dá pela pobreza tática e técnica de outros que se esperava bem mais? É o fim da era Dale?     

Jayme C.      

subjetividade(s)

DEFEITOS & VIRTUDES: MOEDAS SUBJETIVAS DE DUPLA FACE
Acredito na ideia que os meus defeitos me definem bem mais que as virtudes. A razão para essa crença deriva do fato de meus defeitos serem constitutivos da minha vida, história e trajetória, mais do que as virtudes. Além de suspeitar também que minhas imperfeições ainda existam em maior número. Com relação aos defeitos serem mais constitutivos, penso que nascemos sendo animais cheios de falhas. O tempo nos permite ir corrigindo alguns desses vícios, na medida em que os anos passam. É o maravilhoso lapidar da existência. Nesse processo vamos transformando surrados defeitos que carregamos por muito tempo em preciosas virtudes. Constatar essa transformação em nossas práticas cotidianas é confirmar que em pelo menos algum aspecto estamos de fato mudando. Para os que buscam amparo terapêutico, aliás, trata-se de uma incrível conquista. Entretanto, é muito difícil mudar as práticas. Temos um determinado jeito-de-ser e depois que ele se dá é que nos damos conta de como ele é. Somos inconscientes. E des-construir o nosso inconsciente demanda tempo e dedicação. Nesse contexto a razão ocupa um lugar importante. Acredito que devemos buscar a máxima consciência dos próprios defeitos ao invés de racionalizar as virtudes. Se as virtudes são racionalizadas, então a chance de inflar os nossos já espaçosos egos é grande. É a tarefa cotidiana de dominar internamente o nosso monstro chamado ego para que ele não projete nossas vaidades sobre o outro. E o que fazer com as virtudes? Gozar as conquistas que elas nos proporcionam. Viver com alegria e humildade a felicidade das vitórias que as nossas habilidades nos brindam. Desse modo, a evolução subjetiva faz com que cada grande defeito que temos corresponda a uma virtude. São as moedas subjetivas que compõe as nossas vidas e tais como as moedas do capital estão em dupla face. Daí a necessária referência à humildade, isto é, não dá pra se achar.
Jayme C.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

semana esfarrapada



A revolução esfarrapada e o hino nos estádios

Faz algum tempo que se toca o hino do RS antes das partidas de futebol. Faz também algum tempo que me chama a atenção a hipnose e o transe coletivo que esse momento gera nos gaúchos médios. Cantam como se o retratado no hino fosse a mais gloriosa das revoluções. Acreditam que o orgulho de ser gaúcho deriva desse portal das virtudes que é a revolução esfarrapada em seus imaginários. Os gaúchos médios são a maioria nos estádios após a sua elitização. São os mesmos que acordam ouvindo e acreditando na Rosane Oliveira, almoçam com Lasier Martins, veneram a Cia Zaffari, são contra as cotas na universidade pública, contra médicos cubanos para atender aos pobres (dado que contam com a segurança da Unimed), defendem a redução da maioridade penal. Ou seja, são conservadores. Tal como os escravagistas e loucos pelo lucro oriundo do charque que levaram a cabo a tal revolução. Desse modo, o eterno retorno do mesmo parece confirmar a representação do passado em nosso presente bandido disfarçado de libertário. Falam do RS como se fosse à terra prometida. Quem nunca ouviu por aí algum gauchão tradicionalista sustentar: “aqui no Rio grande é diferente!”?! Durante duas semanas em setembro ficam acampados em um parque chamado Harmonia, porém acham uma barbaridade quando se acampa na Câmara municipal para se protestar por melhorias. Harmonia desde que não apareça a diferença, na medida em que lá é proibido que pessoas homoafetivas manifestem a sua liberdade na semana esfarrapada. O que acho mais inoportuno é quando vejo crianças reproduzindo esse comportamento no horizonte das atitudes dos pais. Quiçá o hino esteja certo em um ponto: “povo que não tem virtude acaba por ser escravo” do destino enquanto pré-conceito.

Jayme C.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

lulu santos



Meu afeto pós-reprimido por Lulu Santos

Eu nunca tinha sido muito fã do som do Lulu Santos. Paulinho da Viola, Martinho da Vila e outros congêneres sempre me tocaram muito mais. Em idos de 2000 comecei a ler e me dedicar para algumas atividades intelectuais. Chato, como boa parte dos sujeitos que se dedicam exclusivamente ao pensamento, passei a criticar sem piedade artistas que (a meu ver) faziam musicas comerciais e tinham relações globais. Lulu não ficou de fora de críticas vorazes às suas canções.

Ocorreu que fui ao Planeta Atlântida de 2012. O grande músico e querido amigo Chico Bretanha ia tocar no camarote do Planeta com a magnífica banda “Império da Lã”. Fomos eu e as queridas amigas Aline Medina e Letis (namorada do Chicão). Chegando lá havia uísque e Red Bull no camarim da Império da lã. Os rapazes da banda foram fazer seu show e eu acabei ficando como guardador dos etílicos. Foi uma das melhores funções que desempenhei em minha vida, isto é, de porteiro do uísque! Puxa vida, que trago! O estrago só não foi maior porque havia Gattorades para amenizar os delírios.

Terminado o show da Império fomos ao palco central. Estava começando o show do Lulu Santos. Foi aí que inebriado pelas doses do “cachorro engarrafado” me percebi cantarolando marotamente todas as canções de Lulu. Aline Medina ainda disparou: “essas músicas são para nós, velhos, perto dessa piazada que está aqui; nós conhecemos e acreditamos!”. E foi aí que mudou a minha relação com o som de Lulu Santos. Não dava mais para colocar pré-conceitos na frente da minha sensibilidade. Era hora de não mais reprimir o meu encontro com Lulu. Até o cigano Igor apareceu (aquele que dizem ter feito merdas violentas no passado) e se divertiu ao som de Lulu com a gente. Moral da história: na arte enquanto forma de vida, mais vale uma sensibilidade acolhida do que uma razão pré-conceituosa. Até porque – nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia.       

Jayme C.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

fakebook

FAKEBOOK: a era do vazio.
Estive durante um longo tempo na lista dos maiores carentes da província. Foram quase 10 anos de terapia com um sujeito chamado “Fausto” para preencher comigo mesmo um pedaço do vazio existencial. Nada é por acaso. Dr. Fausto foi a primeira pessoa a falar de autores definitivos à minha formação, tais como Martin Heidegger, Norbert Elias e Contardo Caligaris. Aliás, meu orientador de mestrado, o “pai-de-todos”, Ernildo Stein, foi orientador de Fausto na especialização em psicanálise da Unisinos. 

Enfim, perdi o posto dos primeiros lugares em vazio. O facebook posta diariamente essa confirmação para mim. É impressionante a necessidade que as pessoas têm de postarem o que estão fazendo. De publicizarem aquilo que estão vivenciando, mesmo que não seja algo engraçado, debochado, inusitado ou interessante para os outros. Dou esse desconto, ou seja, se a pessoa está caminhando na Rua da Praia e tropeça com Chico Buarque, então acho justo e digno que ela não só fotografe e poste, como também faça um tratado sobre a emoção desse encontro. Todos temos em nosso feed de notícias sujeitos com uma imensa necessidade de dividir até as suas agruras no banheiro. Por exemplo, postar como uma conhecida postou (por telefone), “em Paris, tudo ótimo!”, é digno de um tratado sobre a indigência existencial. Esse caso é simbólico para o relato. Fico pensando, se eu estivesse em Paris, então de onde brotaria a necessidade de avisar os outros que lá estou? Será que estar em Paris (para nós provincianos e terceiro-mundistas) não é suficiente para nos sentirmos plenos? Será necessário que os outros saibam que estamos em Paris para que a nossa viagem seja mais feliz? Temos que aprender a viajar conosco mesmos. Física e espiritualmente. Só assim seremos livres de verdade. Talvez essa carência seja fruto de tanta relação fake no horizonte das amizades cotidianas. Isto é, vazio por dentro e por fora. Devemos nos emancipar subjetivamente para ser autênticos sujeitos de desejos. Entretanto, preencher de si mesmo o vazio existencial é como a leitura, a natação, a yoga, ou seja, experiências que implicam recolhimento e solidão. Temos a tarefa de sermos nós mesmos. Ou seguir nos afirmando na dependência do mural dos outros.
Jayme C.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

festa



Festa com a galera dos vinte
Fui a duas festas onde a faixa etária era vinte anos. Aliás, acho que se o instituto Gallup fizesse uma pesquisa, apontaria precisamente os 21 como a média de idade de uma delas. Fiquei por aproximadamente 47 minutos nela – foi o tempo de tomar uma dose de uísque e questionar a minha presença lá. A dúvida surgiu inequivocamente por uma razão inicial: não me senti acolhido e minha sensibilidade acusou. Sempre gosto de sentir a vibe geral do lugar ao chegar nele para o dionisíaco. Só posterior ao sentir negativo é que o meu lado antropólogo urbano tenta compreender em linguagem o que já não curti. Daí percebi que a festa era de uma galera “jovem ainda, jovem ainda, jovem ainda”, como dizia a inesquecível melodia do Chaves. Preciso ser enfático nesse ponto: eram extremamente jovens. Era perceptível nas faces, nas práticas e na (falta de) educação. Como o lugar estava bem cheio, a ansiedade para chegar ao bar e conseguir uma bebida era atropelante. As garotas não (a)pareceram como mulheres interessantes, entretanto, apenas como garotinhas. E os papos que chegavam a meus ouvidos não eram deboches qualificados, não faziam rir. Sei que tem pessoas interessantes e maduras em todas as idades. Porém, em algumas circunstâncias, a maioria faz a força. Constitui a vibe do lugar. E se a vibe desce na força, então alguém está fora do lugar. Moral da história: prefiro lugares em que a mescla geracional seja mais para cima do que para baixo. Afinal, já basta a juventude própria a ser coordenada quando em seus rompantes de aparecimento.
Jayme C