sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Idealizar ('amor fati')

Acho que o primeiro passo para não idealizar o outro é não se auto idealizar. Ter uma noção mais clara da sua origem e da sua história ajuda para não incorrer no autoengano. Nesse ponto a terapia pode ser um importante aliado. Assim sendo, é preciso nos enxergar como de fato somos para enxergarmos o outro como ele de fato é. Talvez seja uma relação mais justa, porque mais real, entre pessoas concretas e não imaginadas, imaginárias... Cada sujeito tem um tempo mui particular nesse movimento de consciência de si. E assim cada sujeito tem uma determinada condição de não projeção sobre o outro. Por vezes algumas pessoas demoram muito tempo para melhor se compreenderem. Outras pessoas levam a vida toda. E essas normalmente acabam tendo dificuldades em ter relações concretas. Aquele que projeta o que não é, para quem não existe, fatalmente atrasa a felicidade. Nesse contexto o tempo se coloca como uma questão fundamental. Ele surge como um requisito para o real conhecimento (de si e do outro). Isto é, se o autoconhecimento demanda tempo, o que se pode esperar do processo de conhecimento do outro? A vida nos cobra a tranquilidade de saber que relações sólidas demandam tempo, porque conhecer o outro demanda certo tempo. A pressa implica afobação e no conhecimento isso resulta em atropelo. A serenidade no processo de conhecimento de uma pessoa garante uma maior maturidade no laço, pois as fases do processo foram vividas sem a pressão da aceleração do tempo. Normalmente são as nossas carências que nos fazem projetar no outro o que não é originariamente seu. O que acarreta que a projeção não seja apenas ruim para aquele que projeta, mas também para o outro que é injustiçado no olhar dirigido a si. Só há combinação de consistência e leveza se não há projeção. Creio que ter uma atuante autocrítica também é um aliado deveras significativo. Um último ponto merece ser destacado. Não idealizar e querer não ser idealizado pode ser visto como uma madura forma de amor. Isto é, desde sempre desejamos que o outro goste daquele que concretamente somos. Então, ao filtrar a idealização fugimos da caverna platônica em suas formas imaginárias e nos encontramos com Nietzsche – em sua defesa do “Amor Fati” (do latim amor, nominativo singular de amor,óris: 'amor a algo' e fati genitivo singular de fatum,i, 'destino'). O amor ao destino é a vivência desapegada da idealização. Daí "amor fati" ser amar o inevitável, amar o destino, amar o justo e o injusto, o próprio amor e o desamor. Ou seja, "ser, antes de tudo, um forte" (Nietzsche), sem reclamar da vida, sendo superior até mesmo ao próprio sofrimento.
Jayme Camargo, 19 de dezembro de 2013, 01:42.

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