terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

reflexões de Luiza




Ode ao Lixo
            Desce ela, muito bela, pronta para seu encontro. Antes de sair de casa, levou consigo poucas expectativas, uma respiração ofegante, um sorriso no rosto e o lixo de casa na mão. O lixo é posto na rua, afinal, hoje é o dia em que o lixeiro passa.
            Falo sobre seu lixo pessoal, o que ela tem de mais torto, sujo, obscuro. Suas travas, seus defeitos. A parte escura do seu ser. Deseja colocá-lo na rua, para que alguém se encarregue de leva-lo para bem longe.
            Volta do seu programa mais leve, entretida. Ao passar pelo poste, vê que o lixo segue intacto. “Que estranho. O que ele ainda faz ali? Devo deixá-lo na rua? Por que não foi recolhido?”. Deu alguns passos a frente e olhou para trás, por cima do ombro. Lá estava ele, contendo o que sobrou da semana, o que não foi aproveitado, o que foi rejeitado.
            Subiu até seu quarto com uma sensação de estranhamento. “O que estou fazendo?”. O cheiro forte foi se espalhando pelos cômodos. Um cheiro de mofo, cheiro do passado, do obscuro, do que estava escondido. O saco estava em seus braços. O lixo havia retornado de onde saíra, voltado para dentro de casa, para quem lhe pertencia.
            “Que desagradável. Por que será que não consigo me desapegar desses conteúdos?”. Ela sentiu um pavor em abrir o saco. Experimentou uma mistura de asco, desejo e curiosidade. O que encontraria ali poderia a desestabilizar, a desacomodar. No meio dessa mistura de sentidos foi então que reparou que seu quarto continha restos usados e inacabados espalhados por toda parte, em cima da sua cama, do abajur, da escrivaninha, do tapete, dos seus livros e porta retratos. Haviam sucatas, restos mastigados, sujos e quebrados. O estranho é que ela subitamente sentiu-se familiarizada com tudo aquilo. Num impulso saudável de consciência pensou: “Está na hora de realizar uma reciclagem”.  

Luiza Mothes é psicóloga e mestre em cognição humana.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

seios

O APPROACH EM MULHERES COM OS SEIOS A MOSTRA
Fui a uma festa na Casa de Teatro sexta passada. O calor era terrível, isto é, sensação térmica de uns 50 graus. A sentida falta de refrigeração no local não escondeu a sabedoria dos administradores da festa em não deixar lotar o espaço. Entretanto, essa virtude não permitiu que a temperatura fosse aceitável na Casa. Como consequência diversas pessoas tiraram a parte de cima do vestuário. Mulheres e homens. Na mais tranquila convivência. De fato, em locais com pessoas civilizadas estar sem a parte de cima da roupa não pode ser motivo para que as coisas não sigam rolando com normalidade. Eis uma virtude da Casa de Teatro, ou seja, a galera que a frequenta é em geral uma galera interessante, bacana e com uma mente menos tacanha que em outros lugares na província. Ao avistar uma interessante mulher acabei me questionando – “puxa vida, como fazer para conhecer uma mulher que está com os seios sem vestes?”. E foi aí que tive o insight. É deveras mais difícil para um homem fazer um approach em uma mulher que está sem uma parte da roupa. Sobretudo em ambientes em que tradicionalmente isso não aconteceria, tal como em uma festa. Nesse ponto Porto alegre parece estar se emancipando de alguns provincianismos ultrapassados. Está reformulando o que antes era “tradicional” a partir de novas práticas libertárias. Na mesma sexta feira um amigo estava em outra festa na qual também rolou a liberdade feminina. É decisivo para a evolução de uma cultura que os homens consigam superar antigos ranços machistas, individualistas e sexistas. E que aprendam, também, a categoria necessária para não cometerem equívocos e desrespeitos ao fazer o approach em uma mulher seminua. Acabei não indo falar com a garota interessante, pois eu também estava sem camisa aquela altura da temperatura. Titubeei receoso que ela teria pré-conceitos com as minhas gordurinhas localizadas. Enfim, esse é um argumento contra outro tipo de pré-juízo.
Jayme C.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

greve

A greve dos ônibus e a burguesia em sua “feliz-cidade”

Certa vez Mano Brown com a sinceridade crua que lhe é peculiar cantou: “o ser humano é descartável no Brasil”. Essa é a condição que todo pobre sofre em um país que não cuida dos seus cidadãos. Exatamente por essa falta de cuidado para com os pobres é que reivindicações como a greve dos ônibus em POA são válidas. O único meio que os pobres têm de enfrentarem a força do poder do dinheiro (empresários) é se aglutinando e lutando pela sua classe. Não se espere que a burguesia do Moinhos de Vento vá ter solidariedade para com os pobres. Eles nunca têm. Vivem na bolha refrigerada de seus luxuosos apartamentos e quando precisam se deslocar utilizam seus confortáveis automóveis. Nunca dependeram de ônibus para fazer qualquer deslocamento na cidade. Não sabem o que isso significa. E assim sendo deveriam ficar calados frente a discussões que envolvem circunstâncias que a sua sensibilidade jamais tocou. Os empresários tem um lucro anual astronômico. Em uma atividade que não tem licitação há 25 anos. Ganham no mole. Repete-se a velha história do surrado capitalismo em países pobres: empresários concentram a renda – trabalhadores dividem os prejuízos. A mídia oficial demoniza os trabalhadores, ou seja, nada de novo no fronte. Os donos do poder concretizam o subjugo a partir de velhos reacionários detentores de midíocres microfones. O prefeito é parceiro dos empresários. Vai aumentar as passagens tão logo acabe a greve. Se esse for o desfecho, então acho que toda a cidade deveria parar. Seria lindo ver a autossuficiência da burguesia abalada, a partir da falta de domésticas para fazer o “trabalho sujo” em suas belas casas, da falta de porteiros e seguranças para lhe fornecer tranquilidade, da falta de empacotadores no supermercado para perceberem que economizar não é apenas comprar bem. Seria deveras lindo ver a burguesia provar um pouco do seu próprio veneno, ou seja, do egoísmo e falta de alteridade consequências da exclusividade em sua “feliz-cidade”. Dizem por aí que o homem só aprende quando sofre. Talvez esteja na hora de se compartilhar o sofrimento.

Jayme C.