quinta-feira, 20 de setembro de 2018

PROCURA-SE

PROCURA-SE
Procura-se um amor que em primeira mão divida o cotidiano. Que se divida no cotidiano. Que Se reparta. Que Se entregue. Que não parta frente a natural dificuldade das diferenças. Que entregue sua natureza. Procura-se um amor que finalmente nos escute. Que nos sinta. Que pressinta o momento de ser forte. Que saiba antes da dor preparar o terreno e após ela tenha a sensibilidade do colo. Que tenha a delicadeza no cafuné ao dormir. Que tenha romantismo na pegada. Que não tenha receio em se apegar.
Procura-se um amor que abra os sentimentos. Que se abra ao viver cada momento. Que tenha o prazer em conosco perder seu tempo. Que tenha coragem em repartir seus tormentos. Que tenha conosco o fim da angustia. Que nos tenha como um novo começo. Que nos seja o princípio do belo. Que nos faça um bolo no dia de chuva. Que reparta à pipoca no cinema. Que nos dê à mão no beijo do filme. Procura-se um amor que nos divirta. Procura-se um amor Que se possa conversar. Que nos recolha conchinhas no mar. Que também acredite que o amor aumenta com o ar.
Procura-se um amor que tenha similitude no impacto das almas. Que tenha personalidade na discrição. Que tenha reciprocidade na saudade. Que nos mande mensagem no meio da noite. Que nos procure primeiro ao receber uma novidade. Procura-se um amor que nos leve para dançar. Que dance conosco a vida. Que junto à gente construa a história de nossas vidas. Que na distância fabrique a vinda de uma memória. Que a nostalgia se dê como esperança. Procura-se um amor que no choque entre o azul e o cacho de acácias deixe tudo lindo! Que faça Caetano refazer seu poema. Que fizesse Chico lamentar não ter conhecido. Procura-se um amor que não tenha medo. Que se jogue. Que se declare. Que a única forma de jogo seja jogar junto com a gente. Procura-se um amor que não só nos faça bem, mas que nos torne melhor. Que melhor seja impossível. Que nos transforme como disse Drexler. Que nos refunde a partir do sentimento. Que se funda com a nossa vida. Que compartilhe seus movimentos.
Procura-se um amor que preze nossa liberdade. Que acredite no valor do respeito. Que se encante pelo nosso jeito. Que tenha jogo-de-cintura na adversidade. Que tenha tranquilidade para fornecer sossego. Procura-se um amor que nos surpreenda. Que não feche os olhos antes que adormeçamos. Que não se arrependa em viver à vida. Que quando não estivermos esperando – chegue. Que nos carregue em direção às nuvens. Que nos traga a consistência na leveza. Procura-se um amor que finalmente seja um delicioso pequeno lugar. E que lá Cartola seja trilha sonora. Procura-se um amor que seja equilibrado sem ser chato. Que seja louco sem nos colocar em risco. Que seja meio bossa nova e rock´n roll. Procura-se um amor que antes seja bela que bonita. Que seja interessante. Procura-se um amor que na base há lealdade. Que tenha alteridade em seus valores. Que seja responsável com aquele que cativamos.
Procura-se um amor que se acredite. Que credite suas fichas em nosso centro. Procura-se um amor que seja por dentro, mas Que não tenha medo em botar para fora. Que dirija nossa vida quando estivermos bêbados. Que nos cuide quando convalescemos. Procura-se um amor que combine com a nossa casa. Que o astral seja harmonia. Que as noites de inverno seja acolhimento. Procura-se um amor que seja sagaz na melodia. Que no fim da tarde nos procure para saber de nosso dia. Procura-se um amor que também esteja nos procurando. Que esteja vivendo no mesmo tempo. Que não seja mais um futuro do pretérito. Que traga consigo o tempo do amor. Procura-se um amor que nos faça perder a noção do tempo. Que nos descontrole pelo envolvimento. Procura-se um amor que... Procura-se um amor... Procura-se um... Procura-se... Procura... Pró-cura... Quiçá o amor exista na cura.
Jayme Camargo - 2010/2018

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Um olhar para o que se tem
Quando perdemos algo é forte a tendência de ficar obsessivamente pensando no que foi perdido. E parece ser uma tônica na vida perdermos pessoas (por mortes morridas), amores (por mortes sofridas), trabalhos (por cortes que não deixam saídas)... Enfim, até amigos perdemos, tendo em vista o modo como aconteceram as caminhadas da vida. Nesses momentos em que estamos no mar turvo das derrotas, colocamos no mais pleno esquecimento o resto todo. Aliás, entramos em um jogo constante entre o resto do Mundo versus aquilo que não temos mais. E o nosso cego apego ao que perdemos nos coloca jogando ao seu lado, no vazio herdado.

Enquanto isso, o resto do mundo continua existindo cheio de possibilidades e de experimentações concretas de coisas que não fizemos anteriormente. E mais, é o que temos, sobretudo em face daquilo que se foi. Ou seja, é no mínimo razoável que tenhamos a lucidez de olhar para o todo.  Além disso, há uma parte muito especial nesse todo que é a das nossas construções. Isto é, o aconchego da nossa própria casa, que permite ser um porto agradável e seguro em meio às tempestades; os amigos que cultivamos e que nos brindam com a plenitude do amor fraternal; a delícia que é trabalhar com algo que nos toca o coração; os amores lindos que vem e que vão.

Talvez, o grande detalhe seja o tempo, ou seja, refletir e tentar chegar à resposta se era o tempo certo para se perder o que foi perdido. Essa avaliação é difícil, mas pode nos conduzir a melhor elaborar o luto, ou enxergar que não está morto aquilo que ainda vive. Lançar um olhar para o que se tem... Pode nos tornar mais leves, melhor humorados e com a confiança ressignificada. Afinal, como apontou um filósofo alemão, “o possível é sempre mais fecundo que o real”.

Jayme C.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

termômetro existencial

Termômetro existencial
Para o cara ser feliz tem de ser bem resolvido financeiramente, tem de ter grana, sob pena de não ter acesso aos melhores bens materiais da vida (viagens, passeios, conforto em geral). Mas tem que ganhar o “capim” fazendo o que se gosta, senão bate a crise existencial e instaura-se uma razão para justificar o nosso lado mal-humorado e reclamão.
O cara também não pode ser carente na relação com a família, com os amigos e com o amor. Tem de ser seguro o suficiente para que esse tripé não o sinta como um peso, mas, ao mesmo tempo, ser afetivo e atencioso, sob pena da tríade subjetiva (não) sentir a reciprocidade do amor que lhes dirigem. Para achar a sintonia fina interior, o cara gasta com análise e terapia, na medida em que apenas a minoria já vem com a ansiedade controlada de fábrica. Ansiedade, carência e insegurança, três estados subjetivos que tem de se lutar diariamente, sobretudo para jamais projetá-las sobre o outro (luta que infelizmente sabemos que não venceremos em 100% dos dias).
O cara tem de ser equilibrado em uma miríade de circunstâncias que constituem a sua vida. Tem de ter uma existência meio bossa nova e rock’n roll. Ou seja, tem de ser meio louco para não ficar sempre na mesmice quadrada, mas ao ser ousado tem que cuidar a sua integridade física, moral e psicológica. Toda vez que descuidamos e exageramos na ousadia/loucura, além dos problemas concretos que criamos, somos julgados pelo tribunal da razão alheia, local que “volti-e-meia” ocupamos no vacilo dos outros. Enfim, o cara não pode ser muito hedonista, porém também não pode ter uma relação estéril com o prazer.
O cara tem de fazer exercício regularmente, tem de cuidar o que come, onde mora, da sua imagem e do seu ego (é importantíssimo ser pelo menos tão autocrítico consigo quanto se é crítico com os outros). Os filhos únicos, em geral, têm de redobrar os cuidados, na medida em que muitas vezes foram criados por pais que não se trataram e que acabaram estimulando o desenvolvimento de déspotas egoístas. O cara tem de ser inteligente, sagaz e bem-humorado, caso deseje ser (reconhecido como) uma pessoa interessante.
Esses são alguns dos meus critérios para vislumbrar a independência plena; não acho que sejam válidos universalmente, ou seja, estou apenas compartilhando uma transparência (não quero determinar nada para ninguém). Em suma, o cara tem de ser independente na relação com os outros, porém deve saber que é no contato com os outros que mostramos quem realmente somos. Quiçá, essa seja uma interpretação possível do verso de Pessoa: “eu não sou, eu sou o outro”; isto é, os outros são o nosso termômetro existencial.
Jayme C

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

antes do primeiro beijo

ANTES
Eles se conheceram em meados dos anos 90. Porém, o contato dessa época resumiu-se apenas a falsa memória de que haviam sido colegas. Na virada do milênio, dividiram o mesmo prédio da faculdade, ela nos estudos da alma e ele nos estudos do pensamento. Nesse tempo, conviveram eventualmente por conta de um casal amigo que os colocou em espaços compartilhados. Ele era chato e arrogante, pois tinha consigo na juventude de seus 20 anos a ilusão de todas as verdades sobre a vida. Ela não deixou de perceber isso.
Ela foi morar na Europa, casou e construiu a sua biografia existencial potencializando as características que ele já percebera outrora, isto é, sensibilidade, inteligência e personalidade na discrição. A passagem do tempo lhe foi benéfica de diversos modos, a sua beleza aos trinta reluzia mais ainda do que no passado. Ele também cresceu. Os anos lhe tornaram mais leve e interessante. Segundo a leitura de si mesmo, a sua grande revolução passou por perceber que os outros são o nosso termômetro existencial, ou seja, no contato com o outro é que se revela concretamente quem somos...
Nesses anos que passaram, é digno de nota, ele tentou sem sucesso algum contato. Entretanto, em idos de abril, ele viu uma foto dela no Facebook e sem a presença do ex-companheiro. Após trocarem algumas mensagens, ele a convidou para sair em uma sexta feira, mas recebeu mais uma negativa e pensou: nunca será... Ele desconfiava que ela o visse com olhos do passado e que nunca descobriria quem ele era hoje em dia. No sábado, porém, ela o procurou para uma ceva e uma prosa.
De fato, ela tinha a dúvida se ele ainda era a mesma mala de antes. Consultou uma amiga em comum e ela atestou a possibilidade de ser um encontro massa. Ela foi a casa dele e eles conversaram durante mais de quatro horas. Um papo gostoso e profundo, permeado de fundamentos que só foram enunciados em nome do bom humor. Um mar de afinidades veio à tona, desde a visão de mundo até as questões mais acessórias... Trocaram olhares desejantes e aí o coração dele disparou em pulsações incontidas. Erroneamente, achou que era pelo receio do desejo do beijo ter brotado apenas em si. Não era esse o caso.
O Abraço mais bonito e demorado de suas vidas se seguiu ao primeiro beijo. O coração acelerado e o abraço estendido eram sinais do amor pleno que a vida lhes congratularia. Nunca mais se afastaram e na recíproca abertura das almas, registraram a reinvenção constante do amor que os fez eternamente apaixonados. Em um de seus intensos encontros, ela disse: te amo não apenas pelo que tu és, mas por tudo aquilo que tu podes vir a ser. Ao que ele respondeu: te amo desde antes, desde antes do primeiro beijo.
JC

terça-feira, 21 de junho de 2016

tempo no envolvimento

LÁ VEM TEXTINHO (leitura de 1'13 para não te cansares)



Na minha dispensável opinião, a expressão “lá vem textão” reflete algo do pior que a nossa geração tem. Simboliza a ilusória falta de tempo para o envolvimento com qualquer coisa. Entregamos a nossa felicidade às ordinárias rapidinhas existenciais (nos múltiplos campos da vida). Zygmunt Bauman escreveu sobre o amor liquido, sob essa perspectiva de que as pessoas não conseguem mais se conhecerem verdadeiramente; e essa condição implicando a fragilidade dos laços no cotidiano. Com relação à leitura, local-de-fala originário da malfadada expressão, a pobreza de conteúdo (“de geral”) é uma terrível consequência de não lermos mais de dez linhas sem perdermos a atenção. Nada mais nos prende, nada mais nos toca, nada mais... nada! Obviamente, o vazio existencial torna-se imperante. Carência, ansiedade e angústia são as marcas da geração que não sabe lidar/respeitar o tempo das questões mais essenciais e, desse modo, lê apenas o raso e o superficial. Comecei a ler ontem (pela terceira vez), “O idiota” (683 pgs.), do Dostoievski. Na última tentativa fui até a página 317, mas fui vencido pelo que agora é objeto da crítica. Dostoievski é o meu escritor do coração – aprendi a delícia que é investigar a alma humana a partir de sua literatura. “O idiota” traz no personagem central o “homem bom dostoievskiano”. Entretanto, os nossos idiotas são os que precisam de desculpa quando diante de um textão; esses, infelizmente, não conhecerão “Dostô” – até porque dilacerar a alma humana leva bem mais do que alguns minutos.
Jayme C.

amor

APRENDENDO (A MOR)RER


O querido amigo Mau Saldanha me procurou dizendo que ia fazer um documentário sobre os términos das relações amorosas. O Mau é um sujeito de muito coração e que acredita na força do amor como um elemento essencial na vida. Desse modo, é esse o pano de fundo que ele quer captar por trás dos términos das relações. Afinal, o amor nos toca nos começos, mas o seu anunciado desaparecimento nos términos implica o desconforto da presença na ausência...


Gravamos a minha participação no filme e devido ao meu estado de espírito atual soltei mais o lado bem humorado do que o melancólico. Narrei um “causo” de uma malfadada história com uma garota paulista que era defensora do Paulo Maluf, pois tive que terminar com ela em meio ao natal (época sugestiva para correções de rumo). Como ela era adepta da inqualificável direita cristã, revestiu-se de dificuldade o meu movimento em uma data tão significativa. O Mau deu muita risada, mas não escondeu que estava querendo o meu lado triste e não o seguro de si em suas galhofas cotidianas.

Em nossa conversa filmada, sustentou a sensível ideia de que o amor é o nosso grande ensinamento para a morte. Ou seja, com o passar do tempo nos entramos nas relações amorosas com um grau bem diminuto da ilusão de que será eterna. Depois da repetição de alguns términos, a maturidade inscreve-se em nossa derme já curtida pela melancolia da finitude. Nesse contexto, as lágrimas que por amor derramamos são preparatórias para as mortes concretas que enfrentaremos ao longo da tarefa de vivermos a vida. Ao escutar o meu amigo cineasta, imediatamente, disparei: “aprendendo a morrer... ” (será o título do documentário!). Talvez, esse horizonte faça justiça à grandiosidade do amor em todos os seus atos, isto é, pela quimera encantadora dos começos, mas também pelo difícil aprendizado nos finais.
Jayme C.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

sexo

VIZINHOS QUE NÃO TRANSAM
Um amigo que mora no mesmo prédio que eu, em estado catatônico de “sêmen-pânico”, veio me pedir ajuda. Ele relatou: “Jayminho, sexta feira passada fui ao “Carmelitas” tomar uma ceva com uma interessante mulher. Por volta da meia noite e vinte e oito já estávamos aqui no prédio. Transamos loucamente e o gozo recíproco foi o índice da felicidade do encontro. Ocorreu que emitimos alguns sons na expressão de nosso prazer. Nada exagerado, mas, talvez, um que outro gemido passível de ser escutado no “ap” ao lado. Sai para almoçar no começo da tarde de sábado e quando retornei havia esse bilhete embaixo da minha porta (anexo aos comentários). Jayminho, o que eu faço, estou desesperado?! Como assim eu não poderei mais transar em minha própria casa? Não havia nenhum outro emissor de sonidos ligado, éramos nós e o silêncio rompido, “volti-e-meia”, pelos dionisíacos gemidos. Me ajuda, tu podes ser a próxima vitima dos vizinhos que não transam...”. Sua narrativa durou aproximadamente um cigarro. Já emocionalmente envolvido com a querela de meu amigo, li o bilhete e disse: “vamos comprar umas cevas no mercadinho aqui ao lado, dialogar e elaborar uma estratégia”. Juntos, refletimos...
Primeiramente, essencial respeitar a dor do outro, ou seja, aconselhei o amigo a pedir desculpas, caso ele descobrisse e esbarrasse com o tal vizinho. Em segundo plano, que ele conversasse com o “Zé”, “zé-lador” do prédio, sujeito que tem acesso a informações privilegiadas no contexto do edifício. E que o papo com o Zé fosse num tom leve e debochado, fazendo-o compreender e se solidarizar com a necessidade da cópula, além de fazê-lo rir e interceder positivamente com o vizinho. Assustador, entretanto, é o tom moral do bilhete. Para além do incômodo concreto, caso a pessoa estivesse dormindo, parece que o barulho ser do sexo foi um agravante do delito, na aparente mente conservadora do vizinho. Conversei com o Zé e ele confirmou que o núcleo da reclamação era o fato dos gemidos demarcarem a transa. Aliás, há uma jovem e querida vizinha no apartamento bem embaixo ao de meu amigo, e ela não teceu nenhuma reclamação, muito embora seja a maior prejudicada no vazamento sonoro do apartamento amigo.   
Nesse contexto, eu e meu amigo bolamos a campanha: “Transem vizinhos!”, pois acreditamos que se todos do prédio transarem, então haverá mais tolerância com o gemido alheio, além de que é cientificamente comprovado que o mau humor, por vezes, é corolário do mau amor. Nesse ínterim, lembrei-me do grande livro “Eros e civilização”, no qual Herbert Marcuse defende uma sociedade menos repressora com relação às pulsões libidinais. Puxa vida, seria lindo vivenciar a implementação dessa utopia erótica no habitat cotidiano. Fica o apelo: transem vizinhos!
Jayme C.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

amigos amores

CINCO ANOS SEM AMAR
Um grande amigo está gostando de uma garota. Fazia cinco anos que ele não gostava de ninguém. Esses últimos anos conferiram intimidade a nossa amizade. Ele é um sujeito encantador que carrega como marca existencial algo como um cosmopolitismo sustentável. A sua força cósmica é a consequência de seus anos habitando em diferentes culturas do mundo. Cosmos designa mundo em grego antigo, e no seu caso revela o ganho que a sua sensibilidade teve em contato com a diferença.
A partir desse contexto, meu amigo desenvolve uma política existencial da sustentabilidade. Política enquanto a arte de reger as relações no cotidiano, isto é, o seu modo de ser sempre acontece visando o equilíbrio sustentável. Não me refiro à sustentabilidade, restritamente, em sua relação com o “Ecos” natural. A sustentabilidade emocional é uma das grandes armas da alma de meu confrade.
Durante esses ricos anos em que nos aproximamos o escutei diversas vezes defendendo que não estava preparado para gostar de alguém. Em suas palavras: “tem que rolar a conexão... Sem a conexão natural e espontânea das energias é difícil gostar verdadeiramente de alguém”. Obviamente, essa conexão não pode ser colorida artificialmente, sob pena de a relação ser quebrada por qualquer brisa mais forte. “Zini” evitou maduramente projetar conexões. Além de ser maravilhoso subjetivamente, também é bonito, o que resultou em diversas possíveis ciladas que não entrou, porque sabia que não era amor, ou seja: a sua sensibilidade não havia se conectado com a das mulheres que atravessaram o seu caminho...
A tranquilidade de Zini garantiu que ele se fortalecesse sem bengalas existenciais. Desde que voltei à Poa ele é dos amigos que eu mais convivo. Tenho muita admiração pelas suas múltiplas inteligências e pelos maravilhosos momentos divididos. Ontem, tomávamos um café e conversávamos sobre todos esses argumentos, quando ele disparou a frase que me retirou do marasmo escritural e me estruturou previamente o sentido: “Puxa vida, Jayminho, fazia cinco anos que eu não gostava de alguém”. Isto é, ele se preparou cinco anos para poder gostar verdadeiramente de alguém. Quis o destino que eu estivesse próximo nesse seu encontro com a tal garota, uma querida amiga de outras vidas cuja amizade já está “encarnada”. Uma semana atrás, eu refletia com ela: “o Zini é muito massa, ele é maduro emocionalmente, tá prontinho para gostar verdadeiramente de alguém”. A essa altura ainda não sabia – que foram cinco anos para amar...
Jayme C.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

SENTIDOS

PEQUENOS MOMENTOS, GRANDES SENTIDOS


Eu estava no sempre auspicioso Bar 512 quando uma garota que eu não via há 10 anos veio falar comigo. Já havíamos nos cumprimentado na porta de entrada, e nesse momento percebi o carinho em sua reação ao nos revermos. Eu tinha uma lembrança do semblante dela, mas sem grandes intimidades, ademais, sequer lembrava/sabia o seu nome. 


Estávamos na área de fumantes, ou seja, na parte externa do bar. Surpreendentemente, ela iniciou sua narrativa: “Era muito significativo para mim, quando eu ia dar aquelas caminhadas na Redenção, te ver lá, feliz, tocando e transpirando alegria. Meu irmão estava morrendo de câncer, e aquelas caminhadas tinham como horizonte espairecer, reciclar um pouco aquele temor frente à finitude...”.

Bom, tentei não perder a leveza, mas foi inevitável alterar um pouco o tom debochado de quase sempre – sobretudo, na medida em que estávamos na noite, bebendo e eu não havia sentido intimidade antes dela começar a falar... Fiquei deveras tocado com o seu relato. Tentei conduzir o assunto para um Norte menos delicado, mas ela retomou o ponto, dizendo: “tu não fazes ideia o quanto eu amava mesmo te ver, mesmo que eu só te cumprimentasse, naquelas caminhadas...”. E com lágrimas caindo, concluiu: “eu te amo”! Nesse momento, trocamos um forte e fraternal abraço.

Dias depois era o seu aniversário. Suponho que a proximidade com essa data tenha colaborado com aquela sensível nostalgia de outrora. Na parte que me tocou, fiquei novamente impressionado como não temos um amplo saber sobre as consequências das nossas múltiplas vivências cotidianas. Os seus desdobramentos habitam sempre para além da nossa ilusão de controle sobre os nossos próprios sentidos. Além disso, pensei sobre como é bom estar em um lugar no qual a nossa história está enraizada, e assim ter a possibilidade de re-sginficar o passado permeado de amor. Feliz aniversário atrasado, Carol!
Jayme C.

suor no maranhom

SUOR NA SALA DE AULA NO MARANHÃO
No primeiro dia de aula, a minha primeira fala com os alunos sempre é o pacto do ar condicionado. Digo que, como sou um gordinho do Sul, suo muito e sinto saudade do frio. Logo, o ar condicionado deverá sempre estar em 17 graus. Alerto as meninas da turma, que sempre sentem mais frio, que é uma oportunidade climática de serem chiques de um modo diferente, usando mantas, echarpes, ou até aquele moletom trazido da Disney, estilo “Planet Hollywood”. O suor retira a minha concentração quando estou a dar aula. Aqui no Maranhão, praticamente, faz 30 graus o ano todo. Como disse no início, difícil para gordinhos sulistas…
Um aspecto me colocou a pensar esses tempos. O suar em público enquanto índice da preocupação com a própria imagem. Ou seja, a diferença que existe, ao menos para mim, entre estar suado, por exemplo, em uma festa ou estar suado quando estou dando aula. Odeio ficar excessivamente suado em uma festa. Já sou feio, se estiver muito maltrapilho ou muito suado alguns horizontes podem ser impossíveis... Quando estou dando aula, o deslocamento sempre provoca transpiração devido ao calor, e 80% das vezes começo a aula suado. O ar gelado vai me refrescando, na medida em que a Hermenêutica vai acontecendo. Aliás, há tanto amor profissional em jogo quando estou dando aula que não me importo com o cotidiano suor de começos de aulas...
Jayme C.