ESTRANHOS DEBOCHADOS
Durante a adolescência (nos anos 90) ser
estranho era um fardo. Sofria-se bullying sem repressão. Era-se alvo dos
mais variados deboches. Nesse mundo o mar não era de rosas. O mar era
turvo... Estranho no sentido de feios, pouco populares com as garotas e
alguns ainda chatos. A feiura é algo irresolúvel, mas passível de ser
melhorada com o efeito do tempo e a consequente diminuição da falta de
‘interessância’. Da mesma forma é possível aprender a ser menos chato. Nesse contexto do progresso no tempo, a popularidade com as garotas deixa de ser absolutamente uma nulidade.
O estranho tem que se puxar por outros lados. Tem que ser atraente de
alguma forma, na medida em que sua estética já não o ajuda. Assim, ter
um bom humor refinado é uma via possível. Trilhável. Ser engraçado é um
qualificador decisivo. Os infelizes deboches da juventude são
progressivamente substituídos por deboches com o fundamento das coisas,
com a categoria para não ser cansativo e a educação necessária para não
ser desagradável. O fundamento é valioso no deboche, pois o deboche só
pelo deboche, ou seja, sem fundamento, acaba sendo vazio e pouco valor
agrega além de risos sem significado. Isto é, se só falar sobre o
fundamento das coisas é chato, de outro lado o deboche no vácuo revela a
falta de categoria do debochado. A educação é fundamental para que não
falte ‘desconfiômetro’ na galhofa, ou seja, para sacar o contexto e não
resultar em inconvenientes fracassados. Na hora de dançar, então, vale
ouro ser um estranho engraçado. Normalmente as gurias dão risada. E
assim o acesso já se vê mais facilitado... Felicitado! Felicidade na
vida acaba passando pela capacidade de rir e saber provocar belas
gargalhadas. Importante ressaltar que para conseguir o deboche
qualificado deve-se não se levar tão a sério. Só rindo de si mesmo
aprende-se a rir com categoria e elegância.
Jayme C.
quinta-feira, 26 de dezembro de 2013
sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
Idealizar ('amor fati')
Acho que o primeiro passo para não idealizar o outro é não se auto idealizar. Ter uma noção mais clara da sua origem e da sua história ajuda para não incorrer no autoengano. Nesse ponto a terapia pode ser um importante aliado. Assim sendo, é preciso nos enxergar como de fato somos para enxergarmos o outro como ele de fato é. Talvez seja uma relação mais justa, porque mais real, entre pessoas concretas e não imaginadas, imaginárias... Cada sujeito tem um tempo mui particular nesse movimento de consciência de si. E assim cada sujeito tem uma determinada condição de não projeção sobre o outro. Por vezes algumas pessoas demoram muito tempo para melhor se compreenderem. Outras pessoas levam a vida toda. E essas normalmente acabam tendo dificuldades em ter relações concretas. Aquele que projeta o que não é, para quem não existe, fatalmente atrasa a felicidade. Nesse contexto o tempo se coloca como uma questão fundamental. Ele surge como um requisito para o real conhecimento (de si e do outro). Isto é, se o autoconhecimento demanda tempo, o que se pode esperar do processo de conhecimento do outro? A vida nos cobra a tranquilidade de saber que relações sólidas demandam tempo, porque conhecer o outro demanda certo tempo. A pressa implica afobação e no conhecimento isso resulta em atropelo. A serenidade no processo de conhecimento de uma pessoa garante uma maior maturidade no laço, pois as fases do processo foram vividas sem a pressão da aceleração do tempo. Normalmente são as nossas carências que nos fazem projetar no outro o que não é originariamente seu. O que acarreta que a projeção não seja apenas ruim para aquele que projeta, mas também para o outro que é injustiçado no olhar dirigido a si. Só há combinação de consistência e leveza se não há projeção. Creio que ter uma atuante autocrítica também é um aliado deveras significativo. Um último ponto merece ser destacado. Não idealizar e querer não ser idealizado pode ser visto como uma madura forma de amor. Isto é, desde sempre desejamos que o outro goste daquele que concretamente somos. Então, ao filtrar a idealização fugimos da caverna platônica em suas formas imaginárias e nos encontramos com Nietzsche – em sua defesa do “Amor Fati” (do latim amor, nominativo sin gular de amor,óris: 'amor a algo' e fati genitivo singular de fatum,i, 'destino'). O amor ao destino é a vivência desapegada da idealização. Daí "amor fati" ser amar o inevitável, amar o destino, amar o justo e o injusto, o próprio amor e o desamor. Ou seja, "ser, antes de tudo, um forte" (Nietzsche), sem reclamar da vida, sendo superior até mesmo ao próprio sofrimento.
Jayme Camargo, 19 de dezembro de 2013, 01:42.
quinta-feira, 5 de dezembro de 2013
amor antropológico
O RE-FLORESCIMENTO DO AMOR EM PORTO ALEGRE
No último 24 de Novembro (domingo no parque), no Araújo Viana, duas falas me chamaram a atenção. Tonho Crocco e Edu K falaram, e defenderam o amor. Minha surpresa não derivou dos sujeitos falantes, porém da importante qualificação no fundamento de suas falas. Por ser mais próximo de Tonho (ou menos distante), vou destacar mais a fala do “Defalla” do que a do groove pensante da Ultramen (melhor banda gaúcha dos últimos 20 anos). Edu K disparou com sabedoria e propriedade: “que maravilha, voltei à Porto Alegre e vejo que estão acontecendo diversos movimentos, as pessoas estão agrupadas e fazendo coisas interessantes – isso gera amor”! Tanto Edu K quanto Crocco estiveram na Oswaldo Aranha dos anos 80/começo dos 90. Isto é, participaram de um dos últimos “guetos antropológicos” de Porto Alegre – que legaram significados culturais para a cidade. Infelizmente os meus 30 anos não me permitiram vivenciar essa época. Porém, uma das mais sábias opções que fiz foi escutar diversos amigos que estavam lá e participaram daquele mo(vi)mento. As pessoas estavam na rua ocupando o espaço público e fervilhando idéias, ideais e outras trocas simbólicas que só às experiências-de-rua (mundo da vida) possibilitam. Suponho que Edu K ao falar sobre a província de hoje, de certa forma, teve um pouco na história o seu referencial. Não acho que a comparação seja o caminho mais fiel aos dois momentos. Entretanto, há uma pulsão de vida novamente fervilhando na cidade. Lembro uma frase de minha mãe, aos seus 60 anos de trajetória e antropóloga de formação: “há anos eu não via nada começar em Porto Alegre!” – referindo-se às manifestações ocorridas em junho na província e no Brasil. São diversos os movimentos que novamente estão agrupando pessoas e essa (re)união revela a socialidade viva no imaginário e nas práticas. Temos os importantes movimentos de ocupação dos espaços da polis como o “Largo Vivo”, “Ocupe Porto Alegre”, “Redenção iluminada”, etc. Coletivos de diversas áreas e temáticas também agrupam e promovem debates (tal como o “Sororidade viva”). Temos fortes nichos feministas que conferem solidez à causa em questão. Enfim, cito em nome da ilustração apenas alguns, pois seria deveras longa a lista que contemplasse todas as vertentes. O resultado disso tudo: o reflorescimento do amor em Porto Alegre. Amor não só entre as pessoas e em suas mais diversas formas e níveis, na medida em que passam a estarem mais próximas; mas também o amor em geral, amor pela cidade, pelas idéias defendidas, pela vida cotidiana como um todo. Quiçá a primavera em Porto Alegre seja a época das flores não só enquanto beleza natural, mas também enquanto antropologia da vida em sua forma mais universal: o amor!
Jayme C.
No último 24 de Novembro (domingo no parque), no Araújo Viana, duas falas me chamaram a atenção. Tonho Crocco e Edu K falaram, e defenderam o amor. Minha surpresa não derivou dos sujeitos falantes, porém da importante qualificação no fundamento de suas falas. Por ser mais próximo de Tonho (ou menos distante), vou destacar mais a fala do “Defalla” do que a do groove pensante da Ultramen (melhor banda gaúcha dos últimos 20 anos). Edu K disparou com sabedoria e propriedade: “que maravilha, voltei à Porto Alegre e vejo que estão acontecendo diversos movimentos, as pessoas estão agrupadas e fazendo coisas interessantes – isso gera amor”! Tanto Edu K quanto Crocco estiveram na Oswaldo Aranha dos anos 80/começo dos 90. Isto é, participaram de um dos últimos “guetos antropológicos” de Porto Alegre – que legaram significados culturais para a cidade. Infelizmente os meus 30 anos não me permitiram vivenciar essa época. Porém, uma das mais sábias opções que fiz foi escutar diversos amigos que estavam lá e participaram daquele mo(vi)mento. As pessoas estavam na rua ocupando o espaço público e fervilhando idéias, ideais e outras trocas simbólicas que só às experiências-de-rua (mundo da vida) possibilitam. Suponho que Edu K ao falar sobre a província de hoje, de certa forma, teve um pouco na história o seu referencial. Não acho que a comparação seja o caminho mais fiel aos dois momentos. Entretanto, há uma pulsão de vida novamente fervilhando na cidade. Lembro uma frase de minha mãe, aos seus 60 anos de trajetória e antropóloga de formação: “há anos eu não via nada começar em Porto Alegre!” – referindo-se às manifestações ocorridas em junho na província e no Brasil. São diversos os movimentos que novamente estão agrupando pessoas e essa (re)união revela a socialidade viva no imaginário e nas práticas. Temos os importantes movimentos de ocupação dos espaços da polis como o “Largo Vivo”, “Ocupe Porto Alegre”, “Redenção iluminada”, etc. Coletivos de diversas áreas e temáticas também agrupam e promovem debates (tal como o “Sororidade viva”). Temos fortes nichos feministas que conferem solidez à causa em questão. Enfim, cito em nome da ilustração apenas alguns, pois seria deveras longa a lista que contemplasse todas as vertentes. O resultado disso tudo: o reflorescimento do amor em Porto Alegre. Amor não só entre as pessoas e em suas mais diversas formas e níveis, na medida em que passam a estarem mais próximas; mas também o amor em geral, amor pela cidade, pelas idéias defendidas, pela vida cotidiana como um todo. Quiçá a primavera em Porto Alegre seja a época das flores não só enquanto beleza natural, mas também enquanto antropologia da vida em sua forma mais universal: o amor!
Jayme C.
segunda-feira, 2 de dezembro de 2013
sobre o feminismo
Sou um homem feministo (a condição masculina e o feminismo)
Eu nunca bati em nenhuma mulher, mas já tomei uns safanões. Menos mal que não fiquei traumatizado. Brigas em fim de relacionamento. Acho que a minha (in)capacidade em deixar irritadas as namoradas que estão virando ex-namoradas, aliadas a sua fúria ferina, resultaram em alguns arranhões em mim. Tive uma ex-namorada que era mega forte e braba também. Mulher incrível e maravilhosa, diga-se de passagem. Ela é leonina e certamente eu levei umas unhadas suas. Em uma de nossas brigas terminais, eu estava meio gambá do uísque e quebrei o vidro de uma porta com um soco para descarregar a minha raiva. O descontrole é sempre uma merda, mas somos passíveis enquanto humanos passionais. Foi ridículo de qualquer modo, entretanto, muito melhor descontar em um ser inanimado do que causar dor ao outro sensível. Outra ex-namorada tinha um ímpeto agressivo e pouco jogo-de-cintura em brigas conjugais. Certa vez pegou um pedaço de madeira e eu tive que sair porta a fora de casa para não sofrer piores mazelas. E se eu não tivesse saído? Acho que aqui reside um ponto.
Algumas mulheres por vezes se descontrolam. E se estão perto de sujeitos que vão apenas se defender e não contra ataca-las, então elas podem se beneficiar desse artifício. É importante não esquecer o contexto: mulheres furiosas, em brigas terminais, agindo com agressividade frente a parceiros que apenas se defendem. Esse é um caso raríssimo onde a condição de mulheres é protegida. Pois se eu e minha ex trocássemos de papeis no episódio do pedaço de madeira, já seria uma violência simbólica de ameaça (violência moral) que mui provavelmente a “Maria da Penha” categorizasse. Puxa vida, acho que deve ser isso o significado de viver na sociedade do risco... Esse risco as mulheres sofrem desde sempre dado à estrutura de mundo machista. Os artifícios e prerrogativas normalmente estão todos do lado dos homens. Nessa ínfima condição muito específica que contextualizei, acredito residir o mais próximo (ou o menos distante) que os homens conseguem chegar das injustiças que as mulheres passam no cotidiano. Aliás, essa é uma acertada tese de várias feministas, isto é, que os homens nunca vão conseguir saber como se sente uma mulher em um mundo machista full time como o nosso. Daí defenderem a não presença masculina em alguns dos seus espaços de reconhecimento.
É nesse emaranhado de novelos que me aproprio do termo cunhado pelo Juremir Machado da Silva – e lhe confiro um sentido empírico: sou um homem “feministo”! Talvez reflita a condição de alguns homens, a saber, sensíveis à defesa dos direitos feministas, porém cientes de sua condição existencial masculina. Sobretudo em sendo fruto mais de grandes mulheres do que de grandes homens, como no meu caso. Fecho fácil com Pepeu: “ser um homem feminino não fere o meu lado masculino, se Deus é menina e menino, sou masculino e feminino”.
Jayme Camarg
Eu nunca bati em nenhuma mulher, mas já tomei uns safanões. Menos mal que não fiquei traumatizado. Brigas em fim de relacionamento. Acho que a minha (in)capacidade em deixar irritadas as namoradas que estão virando ex-namoradas, aliadas a sua fúria ferina, resultaram em alguns arranhões em mim. Tive uma ex-namorada que era mega forte e braba também. Mulher incrível e maravilhosa, diga-se de passagem. Ela é leonina e certamente eu levei umas unhadas suas. Em uma de nossas brigas terminais, eu estava meio gambá do uísque e quebrei o vidro de uma porta com um soco para descarregar a minha raiva. O descontrole é sempre uma merda, mas somos passíveis enquanto humanos passionais. Foi ridículo de qualquer modo, entretanto, muito melhor descontar em um ser inanimado do que causar dor ao outro sensível. Outra ex-namorada tinha um ímpeto agressivo e pouco jogo-de-cintura em brigas conjugais. Certa vez pegou um pedaço de madeira e eu tive que sair porta a fora de casa para não sofrer piores mazelas. E se eu não tivesse saído? Acho que aqui reside um ponto.
Algumas mulheres por vezes se descontrolam. E se estão perto de sujeitos que vão apenas se defender e não contra ataca-las, então elas podem se beneficiar desse artifício. É importante não esquecer o contexto: mulheres furiosas, em brigas terminais, agindo com agressividade frente a parceiros que apenas se defendem. Esse é um caso raríssimo onde a condição de mulheres é protegida. Pois se eu e minha ex trocássemos de papeis no episódio do pedaço de madeira, já seria uma violência simbólica de ameaça (violência moral) que mui provavelmente a “Maria da Penha” categorizasse. Puxa vida, acho que deve ser isso o significado de viver na sociedade do risco... Esse risco as mulheres sofrem desde sempre dado à estrutura de mundo machista. Os artifícios e prerrogativas normalmente estão todos do lado dos homens. Nessa ínfima condição muito específica que contextualizei, acredito residir o mais próximo (ou o menos distante) que os homens conseguem chegar das injustiças que as mulheres passam no cotidiano. Aliás, essa é uma acertada tese de várias feministas, isto é, que os homens nunca vão conseguir saber como se sente uma mulher em um mundo machista full time como o nosso. Daí defenderem a não presença masculina em alguns dos seus espaços de reconhecimento.
É nesse emaranhado de novelos que me aproprio do termo cunhado pelo Juremir Machado da Silva – e lhe confiro um sentido empírico: sou um homem “feministo”! Talvez reflita a condição de alguns homens, a saber, sensíveis à defesa dos direitos feministas, porém cientes de sua condição existencial masculina. Sobretudo em sendo fruto mais de grandes mulheres do que de grandes homens, como no meu caso. Fecho fácil com Pepeu: “ser um homem feminino não fere o meu lado masculino, se Deus é menina e menino, sou masculino e feminino”.
Jayme Camarg
quinta-feira, 28 de novembro de 2013
Vitor Ramil e Edu K
Vitor Ramil, Edu K e os gaúchos (con)gelados no medo
de se expor.
Domingo fui ao show no
Araujo Viana. O domingo no parque estava maravilhoso. Puro groove da melhor
qualidade. A reunião de Tonho Crocco, Funkalister, Luis Wagner, Paulo Dionísio,
Andréia Cavalheiro, Edu K só poderia garantir o mel do melhor. Ao entrarmos no
Araújo sugeri que fossemos para o lado esquerdo do palco onde alguns poucos
estavam assistindo o show em pé, dançando. Ora, com essas joias a Black music
invadiu meu corpo e não me fez querer ficar sentado. Talvez porque eu seja
crioulo e quando olhava de relance para a plateia via um Araújo caucasiano e
sentado. Talvez não. Conheço muitos brancos que dançam tais como os que estavam
lá no cantinho curtindo o show sem medo de ser feliz. Creio que esse seja o ponto.
O medo de ser feliz. A galera na província anda deveras preocupada com o que os
outros pensam e vão falar sobre si. E como aqui é uma cidade grande pequena, ou
seja, na qual todo mundo se conhece e se intromete (tal como eu ao escrever
esse texto), fica todo mundo comportado mesmo que o desejo seja o extravaso.
Enfim, quando Edu K subiu ao palco sua primeira fala foi: “aí, galera, vamo se
levanta, vamo se divertir é hora da chalaça!”. Não adianta, normalmente a
maloqueiragem assegura uma vibrante presença de palco. Não à toa Edu K desceu
do palco e enlouquecido subiu nas estruturas do Araújo no primeiro momento catártico
do show. A partir daí a coisa vibrou com mais intensidade. Ontem fui ao show do
Vitor Ramil no salão de atos da reitoria da UFRGS. Bem, se no Araújo que a
coisa tinha tudo para ser naturalmente mais maloqueira e não foi, imagine na reitoria
para um show mais intelectual e com a “crasse” média universitária da federal?!
O show não começou gelado, começou congelante. O maravilhoso Vitor Ramil com a
sua categoria musical e a queridês de sempre, ao tocar “Estrela, estrela” não
deixou de observar. Ninguém cantarolou junto uma música que, normalmente, ele
nem precisa cantar, pois o público leva a melodia com a sua cantoria. Na mesma
hora me lembrei das inúmeras vezes que havia o visto tocar no próprio salão de
atos essa canção, e o quanto havia sido de plenitude a sinergia entre músico e
plateia. No mesmo horizonte de Edu K, Vitor pediu que o público semi-moribundo
viesse a se manifestar. E a partir daí o show fluiu com mais sangue, mais vida,
pois tal é a condição da música, isto é, nos retirar do marasmo existencial que
por vezes o nosso cotidiano muito racional nos afunda. Porto Alegre parece
precisar menos lulu e mais Lulu, o “Santos”, ao passo que “vamos nos permitir,
pois não há tempo que volte amor, vamos viver tudo que há pra viver...”!
Jayme C.
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
música e cotidiano
É necessário
ter o caos dentro de si para gerar uma estrela (Nietzsche)
Tudo se transforma em melodia com Jorge
Drexler: música e cotidiano
As canções de Jorge Drexler são sensíveis e
inquietantes. Sua poesia em espanhol é facilmente compreensível em português. É
uma poesia recheada de diferenças. A sonoridade também é tomada por gostosas
misturas. As melodias das suas canções brincam de diferentes maneiras. Brotam
de diversas culturas. Cada musica é uma imersão em uma experiência única. E
assim formadora de luminosos instantes poéticos. Instantes eternos, sentidos via
sensibilidade. A harmonia do uruguaio também tem um quê de “sinergia entre o
arcaico e o tecnológico”, parafraseando o provocativo sociólogo da cultura Michel
Maffesoli. Afinal, Drexler junta colheres de alumínio batendo em taças de vidro
com “samplers” e outros recursos eletrônicos; tal como na italiana “Lontano, lontano”.
Por isso a referência à arte do uruguaio associada à categoria que Maffesoli
utiliza – ao descrever o cotidiano pós-moderno de nossa época. “Lontano”, que
significa longe em italiano, marca uma distância que não se verifica em relação
à pluralidade idiomática na arte de Drexler. Ele canta em inglês, português, o
natural espanhol, como também no italiano de lontano. Escutando algumas músicas
pensei em algo como uma milonga pós-moderna. Aliás, há muita milonga nas
canções de Drexler, porém temperadas com muitos efeitos e detalhes que as
conduzem para além das tradicionais milongas de outrora. Drexler cria com muita
sensibilidade pequenos lugares em suas músicas. Tais lugares criam um espaço de
transcendência poética daquele que escuta ao conjugar sensível e profunda
poesia com melodias incríveis.
A musica “la vida es mas compleja de lo que parece” (a
vida é mais complexa do que parece) traz o importante tema da complexidade do
cotidiano. Enquanto em geral somos guiados pelos objetos, a linearidade de nosso
olhar nos cria o obstáculo de “ver” a profunda complexidade das coisas além-superfície.
Diz a canção: “Yo estaba empeñado en no ver, Lo que ví, pero a veces, La vida
es mas compleja de Lo que parece”. No horizonte da complexidade, que segundo o
pensador Edgar Morin diz “tudo está ligado a tudo”, Drexler canta o desencanto
de Disneylândia. E sua Disney está essencialmente nesse cruzamento de tudo com
tudo. Há certo tom árabe distante em que Drexler cantarola essa poesia. Ora, se
Disneylândia pode ser considerada o símbolo do ocidente – enquanto que o mundo
árabe nos remete ao não-ocidental, então a canção nos coloca de frente às
ironias do consumo de “Mickeys”.
No horizonte de uma velha querela, Drexler canta uma
milonga de um mouro-judeu que vive com os cristãos, e que é irmão de todos dada
a sua origem. Sim, não há povo que não se (a)credite como o povo elegido. Enquanto
seres humanos, somos todos o tal povo escolhido. É a possibilidade do encontro
na diferença. Já “Guitarra y voz” mostra que algumas vezes o sentido vem sempre
no fim.
Em todas as suas composições os sentimentos fazem ”Eco”.
Eles vertem. Um romantismo permeado de sagacidade. Por vezes de forma imagética
na descrição, como o sujeito que olha pela janela do bar e vê em todas as
mulheres que passam aquela que ele ama (“Causa y efecto”). Às vezes como nas “Horas”
que passamos plugados com aqueles que amamos. Também imagética a metáfora de “Cara
B”, pois quantas vezes não arranhamos o nosso relacionamento ao cobrarmos
aquilo que não é real. “Inoportuna” rememora que os amores e paixões não avisam
a hora de chegar – eles nos atravessam. Cruzam a nossa vida causando uma
deliciosa sensação de “o que devo fazer?”. Não queremos respeitar o tempo
nesses momentos, ou seja, o amor é urgente!
Na música “La infidelidad de la era de la
informática”, não há separação entre forma e conteúdo. O barulhinho do MSN na
melodia, adicionado a temas da era da informática em sua letra, retrata uma
nova condição de administração dos espaços em um relacionamento afetivo: o
espaço virtual.
Em seu último trabalho, “Amar la trama” (2010), o
compositor veio com um disco marcado por instrumentos de sopro, com uma
minuciosa atmosfera jazzística. Nesse sentido, “Mundo abisal” – talvez a melhor
música do disco – nos conduz a uma imersão ao interior do mundo do amor. Tanto
enquanto amor carnal, pois Mundo abisal é a descrição da cópula perfeita; tanto
enquanto ao mais abstrato, pois é a descrição do amor enquanto a sensação do
sublime. No clímax da canção temos a imagem de estarmos transcendidos ao mundo
abissal. E é quando entra um solo de saxofone abafado, lá embaixo. Dentro de
tal mundo...
Poderia continuar por mais diversas canções a
encontrar significativas referências de sentido. Entretanto, paro não sem “Antes”
descrever como tudo se transforma em melodia com Drexler. Disse Lavoisier:
"Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". E
Drexler transformou em poesia.
Sua canção ilustra que ao nos relacionarmos está em
nossa natureza projetar aquilo que recebemos, isto é, aquilo que já trazemos
como nossa bagagem; pois já sempre estamos em algum ponto de nossa própria
história. Afinal, somos seres históricos. Assim sendo, quando nos encontramos
com o outro, “cada uno lo da, lo que recibe, y luego recibe lo que da”. Damos a
projeção de nossa história e ao mesmo tempo somos projetados historicamente
pelo outro. Assim nos relacionamos. Não poderia haver mais bela conclusão: nada
se perde, pois tudo se transforma! Tudo se transforma em história quando
estamos afetivamente juntos ao outro. E desse modo tudo se transforma em nossa
história. É o colorido da vida. Talvez como Nietzsche, Jorge Drexler perceba a
existência humana como a atividade de dar cores ao cotidiano.
Jayme Camargo da Silva
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
elite
A ELITE BURRA (e a
náusea que causa)
Tenho amigos na elite
(ricos e bem nascidos), ao passo que o coração é um critério e não o bolso no
momento da escolha afetiva. Entretanto, após conviver durante quinze anos com
diversos tipos de sujeitos abastados aprendi a conhecê-los. E tem um tipo que
eu desprezo com toda a repulsa possível devido à náusea que me causam. Falo de
uns playboys babacas que passam a vida protegidos e quando acham que são
adultos começam a emitir opiniões sobre a vida em geral. No início são
protegidos fisicamente nas cascas existenciais que a elite cria para resguardar
seus frágeis bebezinhos. Com o passar do tempo à proteção passa a ser
simbólica, isto é, via cartão de crédito da família. Criticam cotas universitárias
para minorias étnicas sendo que o papai pagou um colégio bom e caro para ter a entrada
facilitada na federal. São contra médicos estrangeiros para atender aos pobres,
mas quando ficam doentes contam com um plano de saúde classe “gold” e o amparo de
qualificados hospitais como o Moinhos de Vento. Quando se formam na
universidade contam com a influência do papi para imediatamente ingressarem com
tranquilidade no mercado de trabalho. Ou seja, não fazem ideia do que significa
a sigla “Sine”. Quando completam 18 anos vão tirar a CNH para dirigirem o carro
ganho de presente; e assim bradam quando protestos pela redução das passagens
atrasam a sua ida para a academia de ginástica. Passam a vida toda convivendo alheiamente
com a corrupção da direita, mas só gritam quando a esquerda está no banco dos
réus. Querem a redução da maioridade penal, na medida em que o encarceramento
da pobreza é a solução mais fácil para que suas vidas sejam mais tranquilas. Muitos
são racistas, machistas e sem qualquer alteridade; ao largo do capitalismo e
suas consequências oportunistas. Em suma, esses sujeitos não lapidam a sensibilidade
devido a sua trajetória de vida; não aprendem nada com as suas vivências
plastificadas. Falta-lhes pele. E somado a esse aspecto são despreparados
intelectualmente. Faço a ressalva: conheço grandes intelectuais de direita – de
fato não é esse o meu ponto. Refiro-me aos sujeitos que tiveram todo o
benefício estrutural e não leem dois livros por ano. E o único que leem até o
fim, normalmente, é de autoajuda ou de literatura medíocre ala Paulo Coelho.
Pois esses intragáveis sujeitos opinam sobre as inúmeras circunstâncias que
referi. Sem ter o menor preparo de uma vida vivida de verdade, e tampouco a
instrução conceitual que o dinheiro poderia ter comprado. Contra esses fica o
meu apelo: deixem as questões de envergadura da vida cotidiana para quem se
prepara para lidar com elas. Tanto na pele como na cabeça. Para finalizar,
lembro uma discussão sobre direitos humanos que tive ao fim de uma aula ainda
no curso de direito, com um “jiujiteiro” mais ou menos aos moldes que descrevi.
Eu disse para ele: “nunca mais vamos conversar ou discutir; somos de academias diferentes”.
Na verdade, a diferença é maior. É uma questão de “crasse”!
Jayme C.
terça-feira, 12 de novembro de 2013
oscar wilde e dorian gray
Para Cândida
Parabéns com Oscar Wilde (sobre almas
eternamente belas)
Desejei feliz aniversário da seguinte
forma: “muitos parabéns, que tu sejas eternamente bela como Dorian Gray!”. E a
garota respondeu o seguinte: “Talvez obrigada. Não sei o real sentido da tua
frase... Qual a razão pra ti? Pelos parabéns, sincero obrigada!”. Daí lembrei
que muito embora a beleza, o personagem do livro de Oscar Wilde é totalmente
sem escrúpulos. Minha intenção, entretanto, era nobre... Fui movido por algo
subjetivo, além da muito sutil proximidade fonética de parabéns com Dorian Gray.
Ou seja, estava me referindo à alma da menina aniversariante. Eis a essência
parabenizante da referência. Meu horizonte o fato da alma ser exatamente aquilo
que podemos tornar eternamente bela em nossa existência. Basta nos preocuparmos
com ela e irmos a esculpindo. Ora, é nosso corpo que sofre a corrupção do
tempo. Daí a busca do personagem de Wilde. Dorian Gray era um
rapaz extremamente lindo da sociedade londrina. Ao servir de modelo para um
amigo pintor, desejou que o quadro envelhecesse em seu lugar para que
continuasse eternamente jovem e belo. Seu desejo é atendido e a partir daí a
sua vida muda. Dorian se transforma em um sujeito egoísta e mau; muito embora a
beleza assegurada com o não envelhecimento obtido. O seu equívoco habita no
ponto ao qual me apoiei ao utilizá-lo com a garota. Quiçá Dorian devesse ter se
preocupado com a alma ao invés da carcaça. É possível que os deuses tivessem
lhe reservado um destino melhor. Uma alma eternamente bela tal como a da
aniversariante. Que, todavia, também é linda no sorriso; assim sendo, desejo
que preserve a beleza subjetiva na passagem do tempo!
Jayme C.
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
edukators
Por favor, você me dá licença, obrigado!
Tenho evitado escrever
sobre o comportamento das pessoas com relação à cidadania e educação. Minhas
limitações me impedem de cobrar a cidadania alheia, na medida em que eu próprio
ainda não sou um cidadão 100 %. Minha
última campanha comigo mesmo é nunca mais jogar bitucas de cigarro no chão.
Entretanto, se tem um aspecto no qual faz tempo que eu me condicionei a ser
educado é no por favor, com licença e muito obrigado! Eu e o querido do Rodrigo
Schuster estávamos em uma festa e quando fui pegar um etílico no bar ele não
deixou de observar: “puxa vida, Jayminho, és dos primeiros que eu vejo que tem educação
ao ser servido por alguém na noite; o normal das pessoas é não pedirem por favor
e tampouco dizerem obrigado!”. O Schuster não só é gente fina como amigo, mas é
um amigo gente fina, isto é, um sujeito deveras educado. Outra razão me faz escrever
sobre esse ponto. Semana passada ao tentar me locomover em uma festa aqui da
província, fui pedindo licença até que um paquiderme existencial resolveu me
xingar por eu ser educado. A besta humana achou que eu estava sendo irônico ao
pedir licença e queria tumultuar. Na mesma hora tive a impressão que o caos
estava se aproximando. Quando a educação é compreendida como ironia, ou seja, não
é compreendida, então de fato fica provado o nosso fracasso como civilização. Já
tinha passado por situações parecidas, pois as pessoas nesse quesito de
deslocamento no interior de lugares abalroados não tem a mínima gentileza. E
gentileza gera gente ilesa. Do contrário damos vazão ao nosso lado animal e
acabamos promovendo pequenas barbáries.
Jayme C.
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
travessia e futebol
O épico fato e o patético Pato
Após passar 16 das últimas 24 horas em um ônibus, no horizonte São Borja bate e volta, pedi ao motorista que me deixasse na praça do avião em Canoas. O relógio marcava 21hs e 36min. Caminhei em umas ruas semi-escuras em direção à estação do trensurb. Tomei o trem e o jogo já havia começado em meus ouvidos ligados no velho radinho de pilha. Desci na estação Anchieta e caminhei o trajeto de um pouco mais de 1 km, no meio do barro e da água acumulada no sofrível entorno da Arena. Em minhas costas uma pesada mochila fruto dos recém-chegados de viagens. Travessia realizada, entrei no estádio aos 34 da primeira etapa. A frustração por ter perdido a primeira meia hora da peleia, suplantada pela alegria de estar novamente junto com o meu time almado. Fui ao meu lugar de sempre e nele encontrei os novos amigos que dividiram comigo a arrancada “milagre da luz” - que o Grêmio teve a partir do confronto com o Cruzeiro. Naquela partida algumas previsões foram feitas a partir da queda de energia e ao se confirmarem ficaram conhecidas como o tal milagre. Tudo passou divinamente a dar certo, até mesmo 3 zagueiros e 3 volantes que passaram a ser escalados. Ontem, mais uma vez, reverberou o eco de uma previsão feita antes do fato. Em meio à pressão que ajudava a fazer antes de iniciar as penalidades, disparei: “o Dida vai defender o último pênalti do Pato que vai chutar rasteiro!”. Falei isso comprometido com a micro tese que tenho, a saber, que o Alexandre Pato é o maior blefe da recente história do futebol mundial. Ele nunca jogou coisa nenhuma. Pato deve ser lembrado mais como uma foca que como jogador, ao passo que nosso imaginário ao pensar em algum lance seu iluminado não consegue lembrar outro que as embaixadas com o antebraço. A sua cobrança foi lamentável. Além de revelar descompromisso e irresponsabilidade. Obrigado, Pato, por mais uma mentira sincera desvelada, essa pode valer um campeonato!
Jayme C.
Após passar 16 das últimas 24 horas em um ônibus, no horizonte São Borja bate e volta, pedi ao motorista que me deixasse na praça do avião em Canoas. O relógio marcava 21hs e 36min. Caminhei em umas ruas semi-escuras em direção à estação do trensurb. Tomei o trem e o jogo já havia começado em meus ouvidos ligados no velho radinho de pilha. Desci na estação Anchieta e caminhei o trajeto de um pouco mais de 1 km, no meio do barro e da água acumulada no sofrível entorno da Arena. Em minhas costas uma pesada mochila fruto dos recém-chegados de viagens. Travessia realizada, entrei no estádio aos 34 da primeira etapa. A frustração por ter perdido a primeira meia hora da peleia, suplantada pela alegria de estar novamente junto com o meu time almado. Fui ao meu lugar de sempre e nele encontrei os novos amigos que dividiram comigo a arrancada “milagre da luz” - que o Grêmio teve a partir do confronto com o Cruzeiro. Naquela partida algumas previsões foram feitas a partir da queda de energia e ao se confirmarem ficaram conhecidas como o tal milagre. Tudo passou divinamente a dar certo, até mesmo 3 zagueiros e 3 volantes que passaram a ser escalados. Ontem, mais uma vez, reverberou o eco de uma previsão feita antes do fato. Em meio à pressão que ajudava a fazer antes de iniciar as penalidades, disparei: “o Dida vai defender o último pênalti do Pato que vai chutar rasteiro!”. Falei isso comprometido com a micro tese que tenho, a saber, que o Alexandre Pato é o maior blefe da recente história do futebol mundial. Ele nunca jogou coisa nenhuma. Pato deve ser lembrado mais como uma foca que como jogador, ao passo que nosso imaginário ao pensar em algum lance seu iluminado não consegue lembrar outro que as embaixadas com o antebraço. A sua cobrança foi lamentável. Além de revelar descompromisso e irresponsabilidade. Obrigado, Pato, por mais uma mentira sincera desvelada, essa pode valer um campeonato!
Jayme C.
São Borja
Diário de São Borja (o eterno retorno da história)
Após 8 horas de viagem cheguei à terra dos presidentes. É uma quarta semi-abafada, de uns 25 graus, e essa conjunção reflete a densidade existencial que sinto na cidade. Pergunto a um transeunte onde é a padaria mais próxima. Ele me indica um minimercado chamado Alaska (que também tem pães). Eu não queria um mercadinho. Queria uma simples e gostosa padaria de interior para poder tomar um justo café da manhã com um pãozinho novo. Resolvo tomar um taxi e ser mais explícito ao pedir uma padaria ao taxista. Ele me leva a maravilhosa padaria “Kitutes”. Kitutes demora apenas um café da manhã para se consagrar como a padaria do meu coração em São Borja. São 8 e meia da manhã e eu devo ir ao foro pegar um processo. Passarei o resto do dia viajando de volta à POA. Assim sendo, opto por ir caminhando e observando as pessoas e suas práticas, as construções baixinhas, enfim, libero meu lado antropólogo urbano e tento compreender algo do imaginário dessa terra que extemporaneamente me cativou. Paro para olhar o nome de uma rua em uma placa e vejo em seu canto sobre um fundo azul os dizeres: “Terra dos presidentes”! Juntamente com uma foto de Getúlio ao lado de uma de Jango. Em todas as ruas a história se repete. Desconfio que a densidade antes referida também passe por esse eterno retorno da história presente em suas ruas. As pessoas em geral são simples, amáveis e prestativas. E muitas são bugres e não caucasianas puras de olhos azuis – fator que me gerou uma identificação étnica entre seus habitantes. Ao chegar à rodoviária me deparo com uma criança e sua mãe. Elas manifestamente eram pessoas com dificuldades financeiras. A menina se chamava Gislaine e era uma graça: pura simpatia e um carisma já despontando aos 6 anos de idade. Perguntei quando era seu aniversário. Ela disse que já tinha feito em 3 de outubro, mas que tinham esquecido de convidar os convidados. Sua mãe explicou: “é que o pai dela prefere dar roupas a fazer uma festa de aniversário, é tudo muito caro”. Pedi que Gislaine cuidasse da minha mochila enquanto eu ia ao banheiro e assim na volta eu daria um presente que ela escolhesse. Fomos até uma lojinha da rodoviária e Gislaine escolheu a bola verde. Também provei do eterno retorno da história, lembrando em quantos inúmeros aniversários o meu deleite havia sido ganhar uma bola nova. Assim me despedi de São Borja, contaminado pelo sorriso da menina e mais feliz por tê-la alegrado.
Jayme C.
Após 8 horas de viagem cheguei à terra dos presidentes. É uma quarta semi-abafada, de uns 25 graus, e essa conjunção reflete a densidade existencial que sinto na cidade. Pergunto a um transeunte onde é a padaria mais próxima. Ele me indica um minimercado chamado Alaska (que também tem pães). Eu não queria um mercadinho. Queria uma simples e gostosa padaria de interior para poder tomar um justo café da manhã com um pãozinho novo. Resolvo tomar um taxi e ser mais explícito ao pedir uma padaria ao taxista. Ele me leva a maravilhosa padaria “Kitutes”. Kitutes demora apenas um café da manhã para se consagrar como a padaria do meu coração em São Borja. São 8 e meia da manhã e eu devo ir ao foro pegar um processo. Passarei o resto do dia viajando de volta à POA. Assim sendo, opto por ir caminhando e observando as pessoas e suas práticas, as construções baixinhas, enfim, libero meu lado antropólogo urbano e tento compreender algo do imaginário dessa terra que extemporaneamente me cativou. Paro para olhar o nome de uma rua em uma placa e vejo em seu canto sobre um fundo azul os dizeres: “Terra dos presidentes”! Juntamente com uma foto de Getúlio ao lado de uma de Jango. Em todas as ruas a história se repete. Desconfio que a densidade antes referida também passe por esse eterno retorno da história presente em suas ruas. As pessoas em geral são simples, amáveis e prestativas. E muitas são bugres e não caucasianas puras de olhos azuis – fator que me gerou uma identificação étnica entre seus habitantes. Ao chegar à rodoviária me deparo com uma criança e sua mãe. Elas manifestamente eram pessoas com dificuldades financeiras. A menina se chamava Gislaine e era uma graça: pura simpatia e um carisma já despontando aos 6 anos de idade. Perguntei quando era seu aniversário. Ela disse que já tinha feito em 3 de outubro, mas que tinham esquecido de convidar os convidados. Sua mãe explicou: “é que o pai dela prefere dar roupas a fazer uma festa de aniversário, é tudo muito caro”. Pedi que Gislaine cuidasse da minha mochila enquanto eu ia ao banheiro e assim na volta eu daria um presente que ela escolhesse. Fomos até uma lojinha da rodoviária e Gislaine escolheu a bola verde. Também provei do eterno retorno da história, lembrando em quantos inúmeros aniversários o meu deleite havia sido ganhar uma bola nova. Assim me despedi de São Borja, contaminado pelo sorriso da menina e mais feliz por tê-la alegrado.
Jayme C.
segunda-feira, 7 de outubro de 2013
lua e estrela
Um domingo quente
Os domingos quentes na província me remetem ao suor, mas também ao tor por. De felicidade. Eu havia conhecido uma garota em um churrasco de aniversário de um querido amigo na zona sul. Tipo comédia romântica. Peguei carona com um lindo casal de amigos (que se conheceram na minha despedida quando fui morar em Brasília) e no caminho fomos resgatar uma amiga da minha amiga. Para ela também ir ao tal churrasco. O casal de amigos lhe dissera que iriam apresenta-la a um amigo que começava com a letra Jota. Detalhe do destino é que não era eu. Mas eu estava no carro e assim acabei a conhecendo antes do outro jota. Rimos, debochamos e depois falamos sobre a vida. Uma semana e um dia depois, além, é claro, de algumas profundas e poéticas conversas facebookeanas, estávamos eu, ela, e seus amigos, em um domingo quente no Gazômetro. O fatídico domingo em que a lua e a estrela se aliaram no céu. Se alinharam como Vênus enquanto deusa do calor. O grupo não deixou de observar, a tal garota tirou uma foto e (me) provocou: “diz uma legenda aí, tu que gosta das palavras!”. Demorei até ter a iluminação divina. O grupo cobrou: “tá, e aí, cadê a legenda?!”. E num lampejo de luz, subitamente, vislumbrei: “no domingo quente, a lua e a estrela no céu que as preenchem”. Assim nos entregamos. Dançamos ao som de Clara Nunes. Agora, vida que segue e se encarregue do horizonte...
Jayme C.
Os domingos quentes na província me remetem ao suor, mas também ao tor por. De felicidade. Eu havia conhecido uma garota em um churrasco de aniversário de um querido amigo na zona sul. Tipo comédia romântica. Peguei carona com um lindo casal de amigos (que se conheceram na minha despedida quando fui morar em Brasília) e no caminho fomos resgatar uma amiga da minha amiga. Para ela também ir ao tal churrasco. O casal de amigos lhe dissera que iriam apresenta-la a um amigo que começava com a letra Jota. Detalhe do destino é que não era eu. Mas eu estava no carro e assim acabei a conhecendo antes do outro jota. Rimos, debochamos e depois falamos sobre a vida. Uma semana e um dia depois, além, é claro, de algumas profundas e poéticas conversas facebookeanas, estávamos eu, ela, e seus amigos, em um domingo quente no Gazômetro. O fatídico domingo em que a lua e a estrela se aliaram no céu. Se alinharam como Vênus enquanto deusa do calor. O grupo não deixou de observar, a tal garota tirou uma foto e (me) provocou: “diz uma legenda aí, tu que gosta das palavras!”. Demorei até ter a iluminação divina. O grupo cobrou: “tá, e aí, cadê a legenda?!”. E num lampejo de luz, subitamente, vislumbrei: “no domingo quente, a lua e a estrela no céu que as preenchem”. Assim nos entregamos. Dançamos ao som de Clara Nunes. Agora, vida que segue e se encarregue do horizonte...
Jayme C.
quinta-feira, 3 de outubro de 2013
trair
Por que não trair?
Tive uma dose sensivelmente cavalar de porque não trair. E foi em um momento lindo, não com apenas dor no coração. Ao menos em parte, isto é, da minha parte. Andamos de bici no pôr do sol, sentamos na beirinha do rio e admiramos as múltiplas cores do céu pós-sol que se pôs. Bebemos por aí, bebemos tango no Odeon. Sentamos em uma praça já tendo nos emaranhado. E aí ela contou. Havia passado pela dor da traição. E chorou, chorou... A tristeza que parece estar sendo superada refletia com mais brilho seus iluminados olhos mel-esverdeados. Ao falar de sua história eu não conseguia compreender como algum babaca poderia ser protagonista daquela escória. Ela é sensível, bela e interessante. Como alguém pôde abdicar de um amor tão pleno fazendo tatuagens de sofrimento? Era inexplicável para mim. Eu estava ali, exatamente no outro ponto da história, começando a conhecê-la e adorando esse processo. Não deixei de dividir com ela essa concreta dúvida hiperbólica – já aproveitando para afagar e fazê-la sorrir. Foi muito bizarro perceber como podemos fazer tão mal para pessoas tão maravilhosas. Lembrei, obviamente, das cretinices que patrocinei. Pensei e me penitenciei pelos equívocos praticados. Ali naquele momento percebi o quanto não quero estar no polo oposto ao que estou. A merda que ela passou, de certa forma, acabou possibilitando o nosso encontro provinciano. E nesse momento único que atravessamos já me legou ensinamento via sentimento.
Jayme C
Tive uma dose sensivelmente cavalar de porque não trair. E foi em um momento lindo, não com apenas dor no coração. Ao menos em parte, isto é, da minha parte. Andamos de bici no pôr do sol, sentamos na beirinha do rio e admiramos as múltiplas cores do céu pós-sol que se pôs. Bebemos por aí, bebemos tango no Odeon. Sentamos em uma praça já tendo nos emaranhado. E aí ela contou. Havia passado pela dor da traição. E chorou, chorou... A tristeza que parece estar sendo superada refletia com mais brilho seus iluminados olhos mel-esverdeados. Ao falar de sua história eu não conseguia compreender como algum babaca poderia ser protagonista daquela escória. Ela é sensível, bela e interessante. Como alguém pôde abdicar de um amor tão pleno fazendo tatuagens de sofrimento? Era inexplicável para mim. Eu estava ali, exatamente no outro ponto da história, começando a conhecê-la e adorando esse processo. Não deixei de dividir com ela essa concreta dúvida hiperbólica – já aproveitando para afagar e fazê-la sorrir. Foi muito bizarro perceber como podemos fazer tão mal para pessoas tão maravilhosas. Lembrei, obviamente, das cretinices que patrocinei. Pensei e me penitenciei pelos equívocos praticados. Ali naquele momento percebi o quanto não quero estar no polo oposto ao que estou. A merda que ela passou, de certa forma, acabou possibilitando o nosso encontro provinciano. E nesse momento único que atravessamos já me legou ensinamento via sentimento.
Jayme C
sexta-feira, 27 de setembro de 2013
espiritismo e amizade
Um anjo chamado Roberto (crônica sobre espiritismo e amizade)
Um dos queridos amigos da faculdade de Direito se chamava Roberto
Peruzo Barbosa. Era mais conhecido como Beto ou Betinho. Tínhamos um
grupo de amigos que sentava ao fundo da sala e Beto era um dos nossos.
Muito embora ele transitasse com tranqüilidade em todos os nichos
antropológicos da turma. Ou seja, Beto se relacionava bem com todos, dos
pretensamente intelectuais e comunistas às patricinhas de pele laranja.
Tinha grandes amizades de longo tempo em sua vida. Acabei me
aproximando de seus amigos, na medida em que em algumas oportunidades
joguei bola e dei algumas bandas com eles. Eles sempre me trataram com
carinho e sem preconceitos, muito embora fossem da elite provinciana;
algo que me fez pensar como o preconceito por vezes se disfarça mais de
hippie do que de Hilfiger. Betinho era um porto seguro de qualidades.
Era bonito, muito inteligente, generoso, rico e desapegado. Foi
certamente o sujeito da turma com maior sucesso afetivo com as colegas.
Tinha de fato inúmeras virtudes e não dava bola pra elas. Lembro com
nostalgia ele sentado ao meu lado na sala de aula e dizendo: “Jayminho,
tens que te superar a cada dia, a vida nos exige constante
crescimento...”. Beto foi o primeiro a me chamar do modo como meus
grandes amigos passaram a fazer. Ele faleceu em um melancólico sábado
chuvoso véspera do dia das mães de 2007. Fiquei muito triste com a perda
daquele amigo maravilhoso.
Semanas depois comecei a fazer o
fitness na Redenção totalmente motivado pelo problema cardíaco que havia
levado Beto embora. Em uma dessas manhãs de fitness no parque me
encontrei com a sua mãe. Ela me olhou, nos abraçamos e choramos. Ela
falou e mudou a minha vida: “O Beto gostava muito de ti. Muito mesmo.
Tua influência fez com que ele se aproximasse mais da literatura. Além
dele ser grato pela ajuda na monografia”. Aquelas palavras mexeram muito
comigo. Eu sempre havia me sentindo um amigo menor, ao passo que ele
contava com amigos de mais trajetória dividida. Todas as minhas amizades
foram re-significadas a partir desse momento. Percebi que não havia
mais espaço para contestar o afeto de vários amigos que manifestamente
com esse laço me consideravam. Não questionar o amor dos amigos ajuda a
resolver as relações. Tornando-as maduras, sólidas e não-carentes
(independentes). A mãe de Beto concluiu: “sabes que ele era espírita,
né?! Já mandou um aviso dizendo que está muito bem e que não é para
lembrar-se dele com tristeza e sofrimento”. Foi aí que percebi que Beto
era um anjo. O desapego dos bens materiais (que, repito, ele tinha em
abundância) justifica o fato de ter desencarnado tão jovem. Já estava
espiritualmente pronto. Não merecia mais as dores dos homens, pois
levitava sobre elas...
Jayme C.
terça-feira, 24 de setembro de 2013
futebol
Fim da era Dale? (uma pergunta em favor de
Ribeiro Neto)
Devo ser o gremista que menos odeia e mais admira o Dalessandro. Todo
aquele que gosta de futebol acaba admirando o futebol do gringo. Ele é o modelo
de articulador eficiente e campeão. Faz toda a meia cancha jogar. Faz o
movimento necessário para que o time ganhe a partida, isto é, toma conta do
meio campo, lugar em que sabemos se decidem os jogos. Mesmo nesse inter
irregular do Brasileiro de 2013, Dalessandro é disparadamente o melhor jogador
do colorado. Entretanto, o time não repete a consistência de outrora. E nas
derrotas o caça as bruxas não separa mocinhos de vilões. Todos passam pelo
crivo dos milhões de entendedores do futebol. Não seria diferente com Dale. O
jornalista Ribeiro Neto da Band AM 640, defende que a era Dale acabou, que
parte da inconsistência colorada passa pelo fim do ciclo de seu principal
maestro. Na derrota do último domingo para a Portuguesa, Dalessandro respondeu a
Ribeiro Neto, na coletiva após o jogo. Disse que ficaria por muito tempo no
colorado e que não adianta quererem tirá-lo de lá. Em um primeiro momento, a
idéia de mandá-lo embora parece absurda e incoerente, ao passo que como
referido acima, Dale é o melhor do time. Porém, pensando e repensando, talvez
Ribeiro Neto tenha alguma razão. Eu disse talvez. De fato, estou em dúvida. Ressalvo
para que ninguém venha pesar com ufanismos vermelhos. O papo aqui é futebol e
não sobre gremistas e colorados. Enfim, Dalessandro está há 5 anos e meio no
Beira rio. Raramente alguém permanece tanto tempo em um mesmo clube. Ganhou quase
tudo pelo inter. No entanto, a fadiga dos metais costuma nos mostrar a
importância de mudar. É difícil continuar motivado depois de estar no ápice. Lembremos
que esse já será o segundo ano seguido de um time desorganizado no colorado. O
fato mencionado antes de Dale ser o motor e alma do meio campo é exatamente o
que pode estar descarrilhando o inter, pois o natural desgaste está colocado. O
condutor do time é como o maquinista de um trem, deve sempre ter um olhar no
horizonte. Pergunto aos colorados, será que Dale ainda o tem? Será que seu
destaque individual se dá pela pobreza tática e técnica de outros que se
esperava bem mais? É o fim da era Dale?
Jayme C.
subjetividade(s)
DEFEITOS & VIRTUDES: MOEDAS SUBJETIVAS DE DUPLA FACE
Acredito na ideia que os meus defeitos me definem bem mais que as virtudes. A razão para essa crença deriva do fato de meus defeitos serem constitutivos da minha vida, história e trajetória, mais do que as virtudes. Além de suspeitar também que minhas imperfeições ainda existam em maior número. Com relação aos defeitos serem mais constitutivos, penso que nascemos sendo animais cheios de falhas. O tempo nos permite ir corrigindo alguns desses vícios, na medida em que os anos passam. É o maravilhoso lapidar da existência. Nesse processo vamos transformando surrados defeitos que carregamos por muito tempo em preciosas virtudes. Constatar essa transformação em nossas práticas cotidianas é confirmar que em pelo menos algum aspecto estamos de fato mudando. Para os que buscam amparo terapêutico, aliás, trata-se de uma incrível conquista. Entretanto, é muito difícil mudar as práticas. Temos um determinado jeito-de-ser e depois que ele se dá é que nos damos conta de como ele é. Somos inconscientes. E des-construir o nosso inconsciente demanda tempo e dedicação. Nesse contexto a razão ocupa um lugar importante. Acredito que devemos buscar a máxima consciência dos próprios defeitos ao invés de racionalizar as virtudes. Se as virtudes são racionalizadas, então a chance de inflar os nossos já espaçosos egos é grande. É a tarefa cotidiana de dominar internamente o nosso monstro chamado ego para que ele não projete nossas vaidades sobre o outro. E o que fazer com as virtudes? Gozar as conquistas que elas nos proporcionam. Viver com alegria e humildade a felicidade das vitórias que as nossas habilidades nos brindam. Desse modo, a evolução subjetiva faz com que cada grande defeito que temos corresponda a uma virtude. São as moedas subjetivas que compõe as nossas vidas e tais como as moedas do capital estão em dupla face. Daí a necessária referência à humildade, isto é, não dá pra se achar.
Jayme C.
Acredito na ideia que os meus defeitos me definem bem mais que as virtudes. A razão para essa crença deriva do fato de meus defeitos serem constitutivos da minha vida, história e trajetória, mais do que as virtudes. Além de suspeitar também que minhas imperfeições ainda existam em maior número. Com relação aos defeitos serem mais constitutivos, penso que nascemos sendo animais cheios de falhas. O tempo nos permite ir corrigindo alguns desses vícios, na medida em que os anos passam. É o maravilhoso lapidar da existência. Nesse processo vamos transformando surrados defeitos que carregamos por muito tempo em preciosas virtudes. Constatar essa transformação em nossas práticas cotidianas é confirmar que em pelo menos algum aspecto estamos de fato mudando. Para os que buscam amparo terapêutico, aliás, trata-se de uma incrível conquista. Entretanto, é muito difícil mudar as práticas. Temos um determinado jeito-de-ser e depois que ele se dá é que nos damos conta de como ele é. Somos inconscientes. E des-construir o nosso inconsciente demanda tempo e dedicação. Nesse contexto a razão ocupa um lugar importante. Acredito que devemos buscar a máxima consciência dos próprios defeitos ao invés de racionalizar as virtudes. Se as virtudes são racionalizadas, então a chance de inflar os nossos já espaçosos egos é grande. É a tarefa cotidiana de dominar internamente o nosso monstro chamado ego para que ele não projete nossas vaidades sobre o outro. E o que fazer com as virtudes? Gozar as conquistas que elas nos proporcionam. Viver com alegria e humildade a felicidade das vitórias que as nossas habilidades nos brindam. Desse modo, a evolução subjetiva faz com que cada grande defeito que temos corresponda a uma virtude. São as moedas subjetivas que compõe as nossas vidas e tais como as moedas do capital estão em dupla face. Daí a necessária referência à humildade, isto é, não dá pra se achar.
Jayme C.
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
semana esfarrapada
A revolução esfarrapada
e o hino nos estádios
Faz algum tempo que se toca o hino do RS antes das partidas de futebol.
Faz também algum tempo que me chama a atenção a hipnose e o transe coletivo que
esse momento gera nos gaúchos médios. Cantam como se o retratado no hino fosse
a mais gloriosa das revoluções. Acreditam que o orgulho de ser gaúcho deriva
desse portal das virtudes que é a revolução esfarrapada em seus imaginários. Os
gaúchos médios são a maioria nos estádios após a sua elitização. São os mesmos
que acordam ouvindo e acreditando na Rosane Oliveira, almoçam com Lasier
Martins, veneram a Cia Zaffari, são contra as cotas na universidade pública,
contra médicos cubanos para atender aos pobres (dado que contam com a segurança
da Unimed), defendem a redução da maioridade penal. Ou seja, são conservadores. Tal
como os escravagistas e loucos pelo lucro oriundo do charque que levaram a cabo
a tal revolução. Desse modo, o eterno retorno do mesmo parece confirmar a
representação do passado em nosso presente bandido disfarçado de libertário.
Falam do RS como se fosse à terra prometida. Quem nunca ouviu por aí algum
gauchão tradicionalista sustentar: “aqui no Rio grande é diferente!”?! Durante
duas semanas em setembro ficam acampados em um parque chamado Harmonia, porém
acham uma barbaridade quando se acampa na Câmara municipal para se protestar
por melhorias. Harmonia desde que não apareça a diferença, na medida em que lá
é proibido que pessoas homoafetivas manifestem a sua liberdade na semana
esfarrapada. O que acho mais inoportuno é quando vejo crianças reproduzindo
esse comportamento no horizonte das atitudes dos pais. Quiçá o hino esteja
certo em um ponto: “povo que não tem virtude acaba por ser escravo” do destino
enquanto pré-conceito.
Jayme C.
quarta-feira, 4 de setembro de 2013
lulu santos
Meu afeto pós-reprimido
por Lulu Santos
Eu nunca tinha sido muito fã do som do Lulu Santos. Paulinho da Viola, Martinho
da Vila e outros congêneres sempre me tocaram muito mais. Em idos de 2000 comecei
a ler e me dedicar para algumas atividades intelectuais. Chato, como boa parte dos
sujeitos que se dedicam exclusivamente ao pensamento, passei a criticar sem
piedade artistas que (a meu ver) faziam musicas comerciais e tinham relações
globais. Lulu não ficou de fora de críticas vorazes às suas canções.
Ocorreu que fui ao Planeta Atlântida de 2012. O grande músico e querido
amigo Chico Bretanha ia tocar no camarote do Planeta com a magnífica banda “Império
da Lã”. Fomos eu e as queridas amigas Aline Medina e Letis (namorada do Chicão).
Chegando lá havia uísque e Red Bull no camarim da Império da lã. Os rapazes da
banda foram fazer seu show e eu acabei ficando como guardador dos etílicos. Foi
uma das melhores funções que desempenhei em minha vida, isto é, de porteiro do uísque!
Puxa vida, que trago! O estrago só não foi maior porque havia Gattorades para
amenizar os delírios.
Terminado o show da Império fomos ao palco central. Estava começando o
show do Lulu Santos. Foi aí que inebriado pelas doses do “cachorro engarrafado”
me percebi cantarolando marotamente todas as canções de Lulu. Aline Medina ainda
disparou: “essas músicas são para nós, velhos, perto dessa piazada que está
aqui; nós conhecemos e acreditamos!”. E foi aí que mudou a minha relação com o som
de Lulu Santos. Não dava mais para colocar pré-conceitos na frente da minha
sensibilidade. Era hora de não mais reprimir o meu encontro com Lulu. Até o
cigano Igor apareceu (aquele que dizem ter feito merdas violentas no passado) e
se divertiu ao som de Lulu com a gente. Moral da história: na arte enquanto
forma de vida, mais vale uma sensibilidade acolhida do que uma razão pré-conceituosa.
Até porque – nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia.
Jayme C.
sexta-feira, 12 de julho de 2013
fakebook
FAKEBOOK: a era do vazio.
Estive durante um longo tempo na lista dos maiores carentes da província. Foram quase 10 anos de terapia com um sujeito chamado “Fausto” para preencher comigo mesmo um pedaço do vazio existencial. Nada é por acaso. Dr. Fausto foi a primeira pessoa a falar de autores definitivos à minha formação, tais como Martin Heidegger, Norbert Elias e Contardo Caligaris. Aliás, meu orientador de mestrado, o “pai-de-todos”, Ernildo Stein, foi orientador de Fausto na especialização em psicanálise da Unisinos.
Enfim, perdi o posto dos primeiros lugares em vazio. O facebook posta diariamente essa confirmação para mim. É impressionante a necessidade que as pessoas têm de postarem o que estão fazendo. De publicizarem aquilo que estão vivenciando, mesmo que não seja algo engraçado, debochado, inusitado ou interessante para os outros. Dou esse desconto, ou seja, se a pessoa está caminhando na Rua da Praia e tropeça com Chico Buarque, então acho justo e digno que ela não só fotografe e poste, como também faça um tratado sobre a emoção desse encontro. Todos temos em nosso feed de notícias sujeitos com uma imensa necessidade de dividir até as suas agruras no banheiro. Por exemplo, postar como uma conhecida postou (por telefone), “em Paris, tudo ótimo!”, é digno de um tratado sobre a indigência existencial. Esse caso é simbólico para o relato. Fico pensando, se eu estivesse em Paris, então de onde brotaria a necessidade de avisar os outros que lá estou? Será que estar em Paris (para nós provincianos e terceiro-mundistas) não é suficiente para nos sentirmos plenos? Será necessário que os outros saibam que estamos em Paris para que a nossa viagem seja mais feliz? Temos que aprender a viajar conosco mesmos. Física e espiritualmente. Só assim seremos livres de verdade. Talvez essa carência seja fruto de tanta relação fake no horizonte das amizades cotidianas. Isto é, vazio por dentro e por fora. Devemos nos emancipar subjetivamente para ser autênticos sujeitos de desejos. Entretanto, preencher de si mesmo o vazio existencial é como a leitura, a natação, a yoga, ou seja, experiências que implicam recolhimento e solidão. Temos a tarefa de sermos nós mesmos. Ou seguir nos afirmando na dependência do mural dos outros.
Jayme C.
Estive durante um longo tempo na lista dos maiores carentes da província. Foram quase 10 anos de terapia com um sujeito chamado “Fausto” para preencher comigo mesmo um pedaço do vazio existencial. Nada é por acaso. Dr. Fausto foi a primeira pessoa a falar de autores definitivos à minha formação, tais como Martin Heidegger, Norbert Elias e Contardo Caligaris. Aliás, meu orientador de mestrado, o “pai-de-todos”, Ernildo Stein, foi orientador de Fausto na especialização em psicanálise da Unisinos.
Enfim, perdi o posto dos primeiros lugares em vazio. O facebook posta diariamente essa confirmação para mim. É impressionante a necessidade que as pessoas têm de postarem o que estão fazendo. De publicizarem aquilo que estão vivenciando, mesmo que não seja algo engraçado, debochado, inusitado ou interessante para os outros. Dou esse desconto, ou seja, se a pessoa está caminhando na Rua da Praia e tropeça com Chico Buarque, então acho justo e digno que ela não só fotografe e poste, como também faça um tratado sobre a emoção desse encontro. Todos temos em nosso feed de notícias sujeitos com uma imensa necessidade de dividir até as suas agruras no banheiro. Por exemplo, postar como uma conhecida postou (por telefone), “em Paris, tudo ótimo!”, é digno de um tratado sobre a indigência existencial. Esse caso é simbólico para o relato. Fico pensando, se eu estivesse em Paris, então de onde brotaria a necessidade de avisar os outros que lá estou? Será que estar em Paris (para nós provincianos e terceiro-mundistas) não é suficiente para nos sentirmos plenos? Será necessário que os outros saibam que estamos em Paris para que a nossa viagem seja mais feliz? Temos que aprender a viajar conosco mesmos. Física e espiritualmente. Só assim seremos livres de verdade. Talvez essa carência seja fruto de tanta relação fake no horizonte das amizades cotidianas. Isto é, vazio por dentro e por fora. Devemos nos emancipar subjetivamente para ser autênticos sujeitos de desejos. Entretanto, preencher de si mesmo o vazio existencial é como a leitura, a natação, a yoga, ou seja, experiências que implicam recolhimento e solidão. Temos a tarefa de sermos nós mesmos. Ou seguir nos afirmando na dependência do mural dos outros.
Jayme C.
quarta-feira, 10 de julho de 2013
festa
Festa
com a galera dos vinte
Fui a duas festas onde
a faixa etária era vinte anos. Aliás, acho que se o instituto Gallup fizesse
uma pesquisa, apontaria precisamente os 21 como a média de idade de uma delas.
Fiquei por aproximadamente 47 minutos nela – foi o tempo de tomar uma dose de
uísque e questionar a minha presença lá. A dúvida surgiu inequivocamente por
uma razão inicial: não me senti acolhido e minha sensibilidade acusou. Sempre gosto
de sentir a vibe geral do lugar ao chegar nele para o dionisíaco. Só posterior
ao sentir negativo é que o meu lado antropólogo urbano tenta compreender em
linguagem o que já não curti. Daí percebi que a festa era de uma galera “jovem
ainda, jovem ainda, jovem ainda”, como dizia a inesquecível melodia do Chaves.
Preciso ser enfático nesse ponto: eram extremamente jovens. Era perceptível nas
faces, nas práticas e na (falta de) educação. Como o lugar estava bem cheio, a
ansiedade para chegar ao bar e conseguir uma bebida era atropelante. As garotas
não (a)pareceram como mulheres interessantes, entretanto, apenas como
garotinhas. E os papos que chegavam a meus ouvidos não eram deboches
qualificados, não faziam rir. Sei que tem pessoas interessantes e maduras em
todas as idades. Porém, em algumas circunstâncias, a maioria faz a força. Constitui
a vibe do lugar. E se a vibe desce na força, então alguém está fora do lugar.
Moral da história: prefiro lugares em que a mescla geracional seja mais para
cima do que para baixo. Afinal, já basta a juventude própria a ser coordenada
quando em seus rompantes de aparecimento.
Jayme C
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