segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

sobre a leveza e a consistência I

(arquivo Correio do Povo 19/04/2009)

SEIS PROPOSTAS

Eu estava na parada do lotação quando chegou meu ex-aluno Jaime. Ele faz mestrado em Filosofia com Ernildo Stein (diz Sssstein, como todo filósofo com pretensões sérias), é muito inteligente, heideggeriano (?) e bom de bola. Ao ver que eu carregava um volume das 'Seis Propostas para o Próximo Milênio', de Ítalo Calvino, abriu um sorriso e fez uma confissão: 'É ótimo para alimentar um papo intelectual com as gatinhas na balada'. Fiquei imaginando a conversa nos bares trepidantes da Cidade Baixa. Pedi que explicasse: 'Ora, qual mulher não ia gostar de um homem que tenha leveza e consistência?'.
As propostas do grande escritor Calvino, obviamente, referem-se ao texto literário para o nosso milênio. Eram aulas que ele deveria dar, como convidado, nos Estados Unidos. Ficaram conhecidas também como 'Lições Americanas'. Calvino teve tempo de preparar os temas sobre leveza, rapidez, exatidão, visibilidade e multiplicidade. Morreu antes de chegar na consistência. É o que mais acontece. Jaime não deixou de observar esse detalhe. Tenho certeza de que, nas suas lições porto-alegrenses, ele completa o quadro com muita ginga e malícia. Eu estava relendo Calvino para participar de um debate com o psicanalista Sérgio Lewkowicz, organizado pelo dr. Rui Annes. O diálogo com Jaime acendeu uma 'lamparina' no meu cérebro corroído pela novela das oito.
Resolvi pensar nas seis propostas voltadas para o homem deste milênio: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência. Calvino é considerado um gênio. Mas não me toca o coração. As suas seis lições, relidas depois de 19 anos, pareceram-me problemáticas. Leveza: um tanto pesada. Tem uma passagem assim: 'Esse paralelo de imagens, em que a graça sutil do coral aflora o fero horror do Górgona...'. Uau! Como será que as gurias da Cidade Baixa reagem a essa citação? Rapidez: um pouco lenta. E assim por diante. Aplicadas ao homem do imaginário feminino, segundo uma leitura masculina, entretanto, estou convencido de que podem funcionar. No fundo, é o que Jaime já anda testando.
O homem deste milênio precisa ter leveza. Fazer a mulher rir. Nem que seja para não chorar. Deve ser rápido. No gatilho. Seja para conquistá-la. Seja para salvá-la dos bandidos. De todo tipo. A exatidão é fundamental por várias razões: mulher detesta homem mentiroso. Deve-se mentir somente quando se tem certeza de que elas sabem que não é verdade. Por exemplo: 'Notou que eu cortei o cabelo, amor?'. 'Claro, como não ia notar? Deve ter sido um talho de quase um milímetro.' Além disso, a exatidão é essencial na hora de pagar a pensão. Em contrário, dá rolo e até cadeia. Visibilidade. É o principal em nossa época. Homem famoso salta na frente. Bonito, nem se fala. Com uma tatuagem gigantesca, ganha pontos. Nada pior do que um homem invisível. Ainda assim, é preciso ser visível com discrição. Tipo Gianecchini. Meio tímido, misterioso, mas banhado pelos holofotes.
Mulher não gosta de homem galinha. Os machistas dizem que é uma questão de divisão de papéis. As sofisticadas detestam homem metido a galo. Não é fácil a vida do homem hipermoderno! Mulher quer um homem múltiplo: bom pai, excelente marido, amante selvagem, profissional bem-sucedido, másculo, sensível, decidido, que discuta a relação, capaz de preparar como ninguém tomates secos com folhas verdes. E a consistência? Se não der tempo, fica para a próxima. Mulher. Ou vida.

Juremir Machado da Silva

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