“O homem é o lobo do homem”
Thomas Hobbes.
Idos de dezembro na república tricolor...
Era para ser um devaneio de pizzas entre amigos da Medina e amigos do “prestígio”. E não que não tenha sido isso também. Montezuma (cadu), o pizzaiolo, era também o anfitrião do evento. Ou seja, o palco dos acontecimentos foi à casa do triunvirato tricolor: “Guigo liro”, Miguel e Montezuma. Também conhecida como a “República tricolor”. Obviamente lá me sinto em casa. Aliás, por um pequeno detalhe financeiro da vida não fui morar lá. Seríamos cadu, guigo liro e eu. Acabou que o querido novo amigo “miguelito” foi para o meu lugar. Ou melhor, para o “seu” lugar, ao passo que nunca se concretizara como meu. Importante observar, ainda, que acho a república mais equilibrada com a constituição que tem. Não conheço bem ainda o Miguel, mas a minha percepção sensível já manifestou maturidade, inteligência e jogo-de-cintura no miguelito. Ele é “nego-véio”, como se costuma falar. E desde a sua presença, assim, garante equilíbrio à república. Mas miguelito não se fazia presente à noite a ser relatada. Estava em Bagé, a trabalho, pelo que o cadu havia dito. O prestígio é um amigo da Medina e do cadu que mora nos EUA. Parece que está se doutorando em economia por lá. Está no Brasil até o dia 31 de dezembro, pois veio passar o natal próximo à família. Pois o prestígio combinou com a Medina e com o cadu a rodada de pizzas e cevas na república. O prestígio já havia avisado que levaria um antigo amigo que ele não via fazia algum tempo. O cadu me falou que o tal sujeito tinha sido envolvido com política estudantil, que tinha sido presidente do DCE da PUC, como também presidente do centro estudantil do direito. Sim. O tal sujeito é advogado. E não poderia ter se mostrado diferente. Como a maioria dos bacharéis, seus papos foram quase todos furados. Tal diagnóstico foi universal ante aos personagens da janta. Estava, eu, cadu, guigo liro, prestígio, o tal sujeito, Medina e primaninha. Todos tentaram. Ninguém conseguiu. O tal sujeito se mostrou intragável no diálogo cotidiano. Quando se falou em política, seu viés conservador e “umbiguista paranóide” aflorou. O sujeito relatou a sua trajetória como uma epopéia. Detalhe é que seus parceiros de trajetória eram todos vinculados à orientação política de direita na cena política da província. A epopéia na boca de seu relator transformava cada fato narrado em “sujeira” aos ouvidos dos interlocutores. E pior ainda ficava quando ele decidia falar sobre si mesmo. O sujeito se autopredicou com afinco. Como um categórico representante da OAB desfilou seu narcisismo e excesso de amor próprio. Em um momento, em um diálogo com a prima, fez questão de referir: “sou colorado, de Alegrete e advogado!”. E a prima achando bizarro respondeu: “puxa vida!”. E relatou depois ter pensado: “nem no time de futebol o sujeito demonstra alguma inteligência.”. O mais engraçado é que hoje em dia eu acho até meio chato o papo sobre política. Mas com aquele sujeito às raízes vieram à tona. E não tinha como não acontecer. Muito embora a minha condição de ex-petista e ex-atuante, o sangue “vermelho” pulsou fortemente as minhas antigas convicções. Guigo liro já o refutara certamente com categoria. Cadu também com a devida elegância já pontuara o ridículo de algumas falas do sujeito. Coube-me apenas finalizar o sujeito, com o deboche ultimo da noite. Era a hora das despedidas. E alguém sugerira uma foto da confraternização. Achei a idéia de última categoria. Guigo liro também. Sabiamente se refugiou em seu quarto. Fui vencido pelo espírito do povo. Estávamos em uma republica, logo a democracia opinou pela foto. Cadu também não a queria, mas corretamente silenciou frente a sua condição de anfitrião. Ele jamais seria descortês em tal dada circunstância. Quando estávamos todos – menos guigo liro – posados para o retrato, desistiu-se dada à ausência do guigo. Evocou-se a sua presença. Eu que já estava bem satisfeito com o cancelamento me assustei com o re-torno da idéia. O guigo liro havia voltado à sala. Medina era a dona da máquina. E a medi-maravilha sempre tira retratos legais e perspicazes. Mas aquele era indesejado. Quando se firmou novamente a perspectiva, veio da minha veia o impulso dirigente. Lembrei do conhecido vídeo da primeira campanha vitoriosa do Lula à presidência da república. Estão nele José Dirceu, Lula, Gushiken, Duda Mendonça e outros, ou seja, toda a camarilha dirigente da chegada ao planalto. No vídeo aparece o José Dirceu cancelando as filmagens da reunião estratégica da cúpula, sob argumento de que não há confiança possível em meio aos meandros da política tupiniquim. É impressionante o tirocínio de Dirceu. Sabedor do poder que uma imagem mal-divulgada pode gerar, ele é implacável. Alguém ainda tenta amenizar (acredito que seja à voz de Guido Mântega): “calma, ‘Zé’, é pro documentário do João Salles, ele é de confiança...”; Dirceu manda cancelar a filmagem na hora. Sua visão da possibilidade que aquele vídeo poderia criar, não permite meias palavras. Pois, em uma rápida fração de segundos, manifestei o mesmo argumento adaptado à circunstância criada na república. Bati suavemente contra a mesa com a minha mão esquerda, a qual possui um anel onde carrego o sol maia comigo, e fiz à interjeição: “sabem aquele vídeo do José Dirceu, onde ele questiona à produção de imagens de uma reunião do PT, na primeira campanha vitoriosa?” E assim prossegui: “pois, então, estou aderindo ao mesmo princípio e questionando a eternização fotográfica deste momento!”; “vai saber o futuro que os ‘sujeitos’ tomarão, e assim é melhor não reproduzirmos relações que talvez nem existam”, conclui. Assim levantei e fui à cozinha buscar uma gelada. De lá saí quando tinham restado apenas guigo liro, cadu, e primaninha. As reações frente à tomada de posição foram diversificadas. Os que conheciam ao vídeo de longa data, isto é, cadu e guigo liro, se mataram dando risada e assim se divertiram com o deboche. Prestígio e o sujeito, pelo que me relataram, não compreenderam bem à brincadeira. Não vi as suas reações, pois estava ocupado com a cerveja na geladeira. Primaninha disse não conhecer ao vídeo, mas desde pronto “se pilhou” por conhecê-lo. Abrimos uma rodada de ceva para dar algumas risadas ao assistirmos a sombria visão de Dirceu. Sim. Assumo que para visualizar o sombrio, é necessário conhecê-lo. Guigo liro não deixou de “tirar” uma com a minha cara: “bah, o jayminho é do mal”; caindo na gargalhada imediatamente. Não, não que eu seja do mal. Apenas sei que tenho o meu lado sombrio, e que quiçá sua finalidade seja atuar em momentos como tal. Aliás, as pessoas todas têm uma faceta sombria. Acredito ser a grande questão com relação a esse ponto, o domínio e a correta utilização dessa natural propriedade dos seres humanos. Comentei com o cadu que os acontecimentos tragicômicos deveriam ser chamados de “idos de dezembro na república tricolor”. Manifesta referência aos acontecimentos dos “idos de março” na “Tragédia de Júlio César” de Shaekspeare. Referência perfeita na correspondência com a situação vivenciada àquela noite, com relação à possibilidade da traição. Cadu com a sua arguta sagacidade apenas pontuou: “montezuma, vai que o ‘cara’ se envolve em algum ‘esquema’, daqui alguns anos, e se tem uma foto registrando aquela ocasião, né?!”.
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