DO TEMPO DO AMOR (Reflexões a partir de um filme e de uma canção)
Chico Buarque já havia dito que os amores seriam sempre amáveis. Coube ao competente diretor de cinema argentino Alejandro Agrestí, entretanto, reforçar o pensamento do mestre Carioca. Ao presentear os espectadores com o americano “The Lake House” (A Casa do Lago), Agrestí refletiu novamente a vida a partir das minúcias humanas. Como havia feito em “Uma Noite com Sabrina Love”, como também em “Valentin”, uma delicada distância afasta pessoas que gostariam de se aproximar. Se o amor do personagem interpretado por Tomás Fonzi está distante da sonhada noite com Sabrina Love, Valentin sofre pela distância ou inexistência do amor de sua mãe, carência que vê reproduzida em todas as mulheres de sua vida, as quais sempre passageiras nunca permanecem consigo; sobretudo depois da perda da avó - única que o amou incondicionalmente. Em “A Casa do Lago”, o amor que separa os personagens Kate e Alex (que conseguiram resistir aos péssimos K. Reaves e S. Bullock) parece refletir exatamente a separação que se dá na vida de muitas pessoas no cotidiano. O tempo no qual vivem o amor um pelo outro não é o mesmo. A solidão afetiva, assim, parece ser o único destino possível. O amor entre pessoas que até seriam em algum futuro – amantes, é mais corriqueiro do que Afrodite gostaria que fosse. São inúmeras às vezes nas quais determinadas pessoas chegam a nossas vidas em um tempo no qual não é o tempo de recebê-las. Tempo no qual não estamos preparados para acolher e tampouco nos permitir ser acolhidos. Pouco antes ou instantes depois... Esta barreira do “timing” da chegada-do-outro em nossa vida, está entregue ao acaso nos deixar ou não na porta da casa daquele que amamos. Podemos estar simplesmente nos dirigindo ao trabalho, ou indo à locadora a procura de um filme, e o grande amor de nossa vida estar no horizonte do nosso olhar, entretanto vivendo em um outro tempo que não o do desejado encontro. Quantas vezes, aliás, não imaginamos isso ao entrarmos na locadora e vermos alguém falando sobre um filme que também partilhamos afinidade. São as inúmeras situações que ficamos imaginando quando será o nosso tempo do amor... Tempo em que essa alguma pessoa chegará e constituirá o nosso tempo do amor. Pois nesse ponto dispõe de um extremo realismo o filme do argentino, uma vez que esse é o desígnio principal de sua trama no lago. Embora se trate de um realismo mágico, ao melhor estilo Garcia Márquez, “A Casa do Lago” é de uma sensível recepção para todo aquele que já se indagou acerca do tempo do amor. A experiência da solidão é uma clara referência do diretor à imposição que a vida corriqueiramente nos implica. A dificuldade de viver a dimensão do encontro sempre reflete a existência dos principais personagens de Agrestí. A câmera do argentino, nesse detalhe, é um espelho da realidade contemporânea – seus personagens revelam a marca do homem atual, a saber, estar jogado em meio a melancolia do desencontro. Retornando a Chico Buarque, parece que a canção “Futuros Amantes” deveria ser a trilha sonora de todo o filme do argentino. Chico na canção cria a figura que o amor são partículas soltas no tempo, as quais os amantes apropriam-se para amar. Assim, quando essas partículas estão na posse de algum casal – o amor se faz presente. Acontece que essas partículas de amor, por vezes, vão embora, voltando a restarem soltas no tempo. Transcorrido determinado tempo, outros pares apropriam-se daquela mesma partícula, elo no passado da união de outros amantes. Assim diz a canção de Chico, “Amores serão sempre amáveis, futuros amantes, quiçá, se amarão sem saber, com o amor que eu um dia deixei para você”. Ainda Quando a canção diz: “Não se afobe não, que nada é para já, amores serão sempre amáveis”, vislumbra-se o casal do filme de Agrestí, trocando as suas cartas, tentando imaginar quando poderão se apropriar das partículas de amor que tantos outros já provaram. Canção e película se confundem na perspectiva de revelar que há o tempo do amor. E que devemos estar abertos para experimentá-lo quando presente na porta de nossas vidas.
Jayme Camargo
http://youtu.be/j1qQ9KbIGmo"Futuros Amantes" – Chico Buarque
Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você.
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