quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Vitor Ramil e Edu K

Vitor Ramil, Edu K e os gaúchos (con)gelados no medo de se expor.

Domingo fui ao show no Araujo Viana. O domingo no parque estava maravilhoso. Puro groove da melhor qualidade. A reunião de Tonho Crocco, Funkalister, Luis Wagner, Paulo Dionísio, Andréia Cavalheiro, Edu K só poderia garantir o mel do melhor. Ao entrarmos no Araújo sugeri que fossemos para o lado esquerdo do palco onde alguns poucos estavam assistindo o show em pé, dançando. Ora, com essas joias a Black music invadiu meu corpo e não me fez querer ficar sentado. Talvez porque eu seja crioulo e quando olhava de relance para a plateia via um Araújo caucasiano e sentado. Talvez não. Conheço muitos brancos que dançam tais como os que estavam lá no cantinho curtindo o show sem medo de ser feliz. Creio que esse seja o ponto. O medo de ser feliz. A galera na província anda deveras preocupada com o que os outros pensam e vão falar sobre si. E como aqui é uma cidade grande pequena, ou seja, na qual todo mundo se conhece e se intromete (tal como eu ao escrever esse texto), fica todo mundo comportado mesmo que o desejo seja o extravaso. Enfim, quando Edu K subiu ao palco sua primeira fala foi: “aí, galera, vamo se levanta, vamo se divertir é hora da chalaça!”. Não adianta, normalmente a maloqueiragem assegura uma vibrante presença de palco. Não à toa Edu K desceu do palco e enlouquecido subiu nas estruturas do Araújo no primeiro momento catártico do show. A partir daí a coisa vibrou com mais intensidade. Ontem fui ao show do Vitor Ramil no salão de atos da reitoria da UFRGS. Bem, se no Araújo que a coisa tinha tudo para ser naturalmente mais maloqueira e não foi, imagine na reitoria para um show mais intelectual e com a “crasse” média universitária da federal?! O show não começou gelado, começou congelante. O maravilhoso Vitor Ramil com a sua categoria musical e a queridês de sempre, ao tocar “Estrela, estrela” não deixou de observar. Ninguém cantarolou junto uma música que, normalmente, ele nem precisa cantar, pois o público leva a melodia com a sua cantoria. Na mesma hora me lembrei das inúmeras vezes que havia o visto tocar no próprio salão de atos essa canção, e o quanto havia sido de plenitude a sinergia entre músico e plateia. No mesmo horizonte de Edu K, Vitor pediu que o público semi-moribundo viesse a se manifestar. E a partir daí o show fluiu com mais sangue, mais vida, pois tal é a condição da música, isto é, nos retirar do marasmo existencial que por vezes o nosso cotidiano muito racional nos afunda. Porto Alegre parece precisar menos lulu e mais Lulu, o “Santos”, ao passo que “vamos nos permitir, pois não há tempo que volte amor, vamos viver tudo que há pra viver...”!              

Jayme C.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

música e cotidiano



É necessário ter o caos dentro de si para gerar uma estrela (Nietzsche)

Tudo se transforma em melodia com Jorge Drexler: música e cotidiano

As canções de Jorge Drexler são sensíveis e inquietantes. Sua poesia em espanhol é facilmente compreensível em português. É uma poesia recheada de diferenças. A sonoridade também é tomada por gostosas misturas. As melodias das suas canções brincam de diferentes maneiras. Brotam de diversas culturas. Cada musica é uma imersão em uma experiência única. E assim formadora de luminosos instantes poéticos. Instantes eternos, sentidos via sensibilidade. A harmonia do uruguaio também tem um quê de “sinergia entre o arcaico e o tecnológico”, parafraseando o provocativo sociólogo da cultura Michel Maffesoli. Afinal, Drexler junta colheres de alumínio batendo em taças de vidro com “samplers” e outros recursos eletrônicos; tal como na italiana “Lontano, lontano”. Por isso a referência à arte do uruguaio associada à categoria que Maffesoli utiliza – ao descrever o cotidiano pós-moderno de nossa época. “Lontano”, que significa longe em italiano, marca uma distância que não se verifica em relação à pluralidade idiomática na arte de Drexler. Ele canta em inglês, português, o natural espanhol, como também no italiano de lontano. Escutando algumas músicas pensei em algo como uma milonga pós-moderna. Aliás, há muita milonga nas canções de Drexler, porém temperadas com muitos efeitos e detalhes que as conduzem para além das tradicionais milongas de outrora. Drexler cria com muita sensibilidade pequenos lugares em suas músicas. Tais lugares criam um espaço de transcendência poética daquele que escuta ao conjugar sensível e profunda poesia com melodias incríveis.

A musica “la vida es mas compleja de lo que parece” (a vida é mais complexa do que parece) traz o importante tema da complexidade do cotidiano. Enquanto em geral somos guiados pelos objetos, a linearidade de nosso olhar nos cria o obstáculo de “ver” a profunda complexidade das coisas além-superfície. Diz a canção: “Yo estaba empeñado en no ver, Lo que ví, pero a veces, La vida es mas compleja de Lo que parece”. No horizonte da complexidade, que segundo o pensador Edgar Morin diz “tudo está ligado a tudo”, Drexler canta o desencanto de Disneylândia. E sua Disney está essencialmente nesse cruzamento de tudo com tudo. Há certo tom árabe distante em que Drexler cantarola essa poesia. Ora, se Disneylândia pode ser considerada o símbolo do ocidente – enquanto que o mundo árabe nos remete ao não-ocidental, então a canção nos coloca de frente às ironias do consumo de “Mickeys”.

No horizonte de uma velha querela, Drexler canta uma milonga de um mouro-judeu que vive com os cristãos, e que é irmão de todos dada a sua origem. Sim, não há povo que não se (a)credite como o povo elegido. Enquanto seres humanos, somos todos o tal povo escolhido. É a possibilidade do encontro na diferença. Já “Guitarra y voz” mostra que algumas vezes o sentido vem sempre no fim.

Em todas as suas composições os sentimentos fazem ”Eco”. Eles vertem. Um romantismo permeado de sagacidade. Por vezes de forma imagética na descrição, como o sujeito que olha pela janela do bar e vê em todas as mulheres que passam aquela que ele ama (“Causa y efecto”). Às vezes como nas “Horas” que passamos plugados com aqueles que amamos. Também imagética a metáfora de “Cara B”, pois quantas vezes não arranhamos o nosso relacionamento ao cobrarmos aquilo que não é real. “Inoportuna” rememora que os amores e paixões não avisam a hora de chegar – eles nos atravessam. Cruzam a nossa vida causando uma deliciosa sensação de “o que devo fazer?”. Não queremos respeitar o tempo nesses momentos, ou seja, o amor é urgente!

Na música “La infidelidad de la era de la informática”, não há separação entre forma e conteúdo. O barulhinho do MSN na melodia, adicionado a temas da era da informática em sua letra, retrata uma nova condição de administração dos espaços em um relacionamento afetivo: o espaço virtual.

Em seu último trabalho, “Amar la trama” (2010), o compositor veio com um disco marcado por instrumentos de sopro, com uma minuciosa atmosfera jazzística. Nesse sentido, “Mundo abisal” – talvez a melhor música do disco – nos conduz a uma imersão ao interior do mundo do amor. Tanto enquanto amor carnal, pois Mundo abisal é a descrição da cópula perfeita; tanto enquanto ao mais abstrato, pois é a descrição do amor enquanto a sensação do sublime. No clímax da canção temos a imagem de estarmos transcendidos ao mundo abissal. E é quando entra um solo de saxofone abafado, lá embaixo. Dentro de tal mundo...

Poderia continuar por mais diversas canções a encontrar significativas referências de sentido. Entretanto, paro não sem “Antes” descrever como tudo se transforma em melodia com Drexler. Disse Lavoisier: "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". E Drexler transformou em poesia.

Sua canção ilustra que ao nos relacionarmos está em nossa natureza projetar aquilo que recebemos, isto é, aquilo que já trazemos como nossa bagagem; pois já sempre estamos em algum ponto de nossa própria história. Afinal, somos seres históricos. Assim sendo, quando nos encontramos com o outro, “cada uno lo da, lo que recibe, y luego recibe lo que da”. Damos a projeção de nossa história e ao mesmo tempo somos projetados historicamente pelo outro. Assim nos relacionamos. Não poderia haver mais bela conclusão: nada se perde, pois tudo se transforma! Tudo se transforma em história quando estamos afetivamente juntos ao outro. E desse modo tudo se transforma em nossa história. É o colorido da vida. Talvez como Nietzsche, Jorge Drexler perceba a existência humana como a atividade de dar cores ao cotidiano.

Jayme Camargo da Silva

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

elite

A ELITE BURRA (e a náusea que causa)

Tenho amigos na elite (ricos e bem nascidos), ao passo que o coração é um critério e não o bolso no momento da escolha afetiva. Entretanto, após conviver durante quinze anos com diversos tipos de sujeitos abastados aprendi a conhecê-los. E tem um tipo que eu desprezo com toda a repulsa possível devido à náusea que me causam. Falo de uns playboys babacas que passam a vida protegidos e quando acham que são adultos começam a emitir opiniões sobre a vida em geral. No início são protegidos fisicamente nas cascas existenciais que a elite cria para resguardar seus frágeis bebezinhos. Com o passar do tempo à proteção passa a ser simbólica, isto é, via cartão de crédito da família. Criticam cotas universitárias para minorias étnicas sendo que o papai pagou um colégio bom e caro para ter a entrada facilitada na federal. São contra médicos estrangeiros para atender aos pobres, mas quando ficam doentes contam com um plano de saúde classe “gold” e o amparo de qualificados hospitais como o Moinhos de Vento. Quando se formam na universidade contam com a influência do papi para imediatamente ingressarem com tranquilidade no mercado de trabalho. Ou seja, não fazem ideia do que significa a sigla “Sine”. Quando completam 18 anos vão tirar a CNH para dirigirem o carro ganho de presente; e assim bradam quando protestos pela redução das passagens atrasam a sua ida para a academia de ginástica. Passam a vida toda convivendo alheiamente com a corrupção da direita, mas só gritam quando a esquerda está no banco dos réus. Querem a redução da maioridade penal, na medida em que o encarceramento da pobreza é a solução mais fácil para que suas vidas sejam mais tranquilas. Muitos são racistas, machistas e sem qualquer alteridade; ao largo do capitalismo e suas consequências oportunistas. Em suma, esses sujeitos não lapidam a sensibilidade devido a sua trajetória de vida; não aprendem nada com as suas vivências plastificadas. Falta-lhes pele. E somado a esse aspecto são despreparados intelectualmente. Faço a ressalva: conheço grandes intelectuais de direita – de fato não é esse o meu ponto. Refiro-me aos sujeitos que tiveram todo o benefício estrutural e não leem dois livros por ano. E o único que leem até o fim, normalmente, é de autoajuda ou de literatura medíocre ala Paulo Coelho. Pois esses intragáveis sujeitos opinam sobre as inúmeras circunstâncias que referi. Sem ter o menor preparo de uma vida vivida de verdade, e tampouco a instrução conceitual que o dinheiro poderia ter comprado. Contra esses fica o meu apelo: deixem as questões de envergadura da vida cotidiana para quem se prepara para lidar com elas. Tanto na pele como na cabeça. Para finalizar, lembro uma discussão sobre direitos humanos que tive ao fim de uma aula ainda no curso de direito, com um “jiujiteiro” mais ou menos aos moldes que descrevi. Eu disse para ele: “nunca mais vamos conversar ou discutir; somos de academias diferentes”. Na verdade, a diferença é maior. É uma questão de “crasse”!

Jayme C.             

terça-feira, 12 de novembro de 2013

oscar wilde e dorian gray

Para Cândida

Parabéns com Oscar Wilde (sobre almas eternamente belas)

Desejei feliz aniversário da seguinte forma: “muitos parabéns, que tu sejas eternamente bela como Dorian Gray!”. E a garota respondeu o seguinte: “Talvez obrigada. Não sei o real sentido da tua frase... Qual a razão pra ti? Pelos parabéns, sincero obrigada!”. Daí lembrei que muito embora a beleza, o personagem do livro de Oscar Wilde é totalmente sem escrúpulos. Minha intenção, entretanto, era nobre... Fui movido por algo subjetivo, além da muito sutil proximidade fonética de parabéns com Dorian Gray. Ou seja, estava me referindo à alma da menina aniversariante. Eis a essência parabenizante da referência. Meu horizonte o fato da alma ser exatamente aquilo que podemos tornar eternamente bela em nossa existência. Basta nos preocuparmos com ela e irmos a esculpindo. Ora, é nosso corpo que sofre a corrupção do tempo. Daí a busca do personagem de Wilde. Dorian Gray era um rapaz extremamente lindo da sociedade londrina. Ao servir de modelo para um amigo pintor, desejou que o quadro envelhecesse em seu lugar para que continuasse eternamente jovem e belo. Seu desejo é atendido e a partir daí a sua vida muda. Dorian se transforma em um sujeito egoísta e mau; muito embora a beleza assegurada com o não envelhecimento obtido. O seu equívoco habita no ponto ao qual me apoiei ao utilizá-lo com a garota. Quiçá Dorian devesse ter se preocupado com a alma ao invés da carcaça. É possível que os deuses tivessem lhe reservado um destino melhor. Uma alma eternamente bela tal como a da aniversariante. Que, todavia, também é linda no sorriso; assim sendo, desejo que preserve a beleza subjetiva na passagem do tempo!

  Jayme C.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

edukators

Por favor, você me dá licença, obrigado!
Tenho evitado escrever sobre o comportamento das pessoas com relação à cidadania e educação. Minhas limitações me impedem de cobrar a cidadania alheia, na medida em que eu próprio ainda não sou um cidadão 100 %.  Minha última campanha comigo mesmo é nunca mais jogar bitucas de cigarro no chão. Entretanto, se tem um aspecto no qual faz tempo que eu me condicionei a ser educado é no por favor, com licença e muito obrigado! Eu e o querido do Rodrigo Schuster estávamos em uma festa e quando fui pegar um etílico no bar ele não deixou de observar: “puxa vida, Jayminho, és dos primeiros que eu vejo que tem educação ao ser servido por alguém na noite; o normal das pessoas é não pedirem por favor e tampouco dizerem obrigado!”. O Schuster não só é gente fina como amigo, mas é um amigo gente fina, isto é, um sujeito deveras educado. Outra razão me faz escrever sobre esse ponto. Semana passada ao tentar me locomover em uma festa aqui da província, fui pedindo licença até que um paquiderme existencial resolveu me xingar por eu ser educado. A besta humana achou que eu estava sendo irônico ao pedir licença e queria tumultuar. Na mesma hora tive a impressão que o caos estava se aproximando. Quando a educação é compreendida como ironia, ou seja, não é compreendida, então de fato fica provado o nosso fracasso como civilização. Já tinha passado por situações parecidas, pois as pessoas nesse quesito de deslocamento no interior de lugares abalroados não tem a mínima gentileza. E gentileza gera gente ilesa. Do contrário damos vazão ao nosso lado animal e acabamos promovendo pequenas barbáries.

Jayme C.