ESTRANHOS DEBOCHADOS
Durante a adolescência (nos anos 90) ser
estranho era um fardo. Sofria-se bullying sem repressão. Era-se alvo dos
mais variados deboches. Nesse mundo o mar não era de rosas. O mar era
turvo... Estranho no sentido de feios, pouco populares com as garotas e
alguns ainda chatos. A feiura é algo irresolúvel, mas passível de ser
melhorada com o efeito do tempo e a consequente diminuição da falta de
‘interessância’. Da mesma forma é possível aprender a ser menos chato. Nesse contexto do progresso no tempo, a popularidade com as garotas deixa de ser absolutamente uma nulidade.
O estranho tem que se puxar por outros lados. Tem que ser atraente de
alguma forma, na medida em que sua estética já não o ajuda. Assim, ter
um bom humor refinado é uma via possível. Trilhável. Ser engraçado é um
qualificador decisivo. Os infelizes deboches da juventude são
progressivamente substituídos por deboches com o fundamento das coisas,
com a categoria para não ser cansativo e a educação necessária para não
ser desagradável. O fundamento é valioso no deboche, pois o deboche só
pelo deboche, ou seja, sem fundamento, acaba sendo vazio e pouco valor
agrega além de risos sem significado. Isto é, se só falar sobre o
fundamento das coisas é chato, de outro lado o deboche no vácuo revela a
falta de categoria do debochado. A educação é fundamental para que não
falte ‘desconfiômetro’ na galhofa, ou seja, para sacar o contexto e não
resultar em inconvenientes fracassados. Na hora de dançar, então, vale
ouro ser um estranho engraçado. Normalmente as gurias dão risada. E
assim o acesso já se vê mais facilitado... Felicitado! Felicidade na
vida acaba passando pela capacidade de rir e saber provocar belas
gargalhadas. Importante ressaltar que para conseguir o deboche
qualificado deve-se não se levar tão a sério. Só rindo de si mesmo
aprende-se a rir com categoria e elegância.
Jayme C.
quinta-feira, 26 de dezembro de 2013
sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
Idealizar ('amor fati')
Acho que o primeiro passo para não idealizar o outro é não se auto idealizar. Ter uma noção mais clara da sua origem e da sua história ajuda para não incorrer no autoengano. Nesse ponto a terapia pode ser um importante aliado. Assim sendo, é preciso nos enxergar como de fato somos para enxergarmos o outro como ele de fato é. Talvez seja uma relação mais justa, porque mais real, entre pessoas concretas e não imaginadas, imaginárias... Cada sujeito tem um tempo mui particular nesse movimento de consciência de si. E assim cada sujeito tem uma determinada condição de não projeção sobre o outro. Por vezes algumas pessoas demoram muito tempo para melhor se compreenderem. Outras pessoas levam a vida toda. E essas normalmente acabam tendo dificuldades em ter relações concretas. Aquele que projeta o que não é, para quem não existe, fatalmente atrasa a felicidade. Nesse contexto o tempo se coloca como uma questão fundamental. Ele surge como um requisito para o real conhecimento (de si e do outro). Isto é, se o autoconhecimento demanda tempo, o que se pode esperar do processo de conhecimento do outro? A vida nos cobra a tranquilidade de saber que relações sólidas demandam tempo, porque conhecer o outro demanda certo tempo. A pressa implica afobação e no conhecimento isso resulta em atropelo. A serenidade no processo de conhecimento de uma pessoa garante uma maior maturidade no laço, pois as fases do processo foram vividas sem a pressão da aceleração do tempo. Normalmente são as nossas carências que nos fazem projetar no outro o que não é originariamente seu. O que acarreta que a projeção não seja apenas ruim para aquele que projeta, mas também para o outro que é injustiçado no olhar dirigido a si. Só há combinação de consistência e leveza se não há projeção. Creio que ter uma atuante autocrítica também é um aliado deveras significativo. Um último ponto merece ser destacado. Não idealizar e querer não ser idealizado pode ser visto como uma madura forma de amor. Isto é, desde sempre desejamos que o outro goste daquele que concretamente somos. Então, ao filtrar a idealização fugimos da caverna platônica em suas formas imaginárias e nos encontramos com Nietzsche – em sua defesa do “Amor Fati” (do latim amor, nominativo sin gular de amor,óris: 'amor a algo' e fati genitivo singular de fatum,i, 'destino'). O amor ao destino é a vivência desapegada da idealização. Daí "amor fati" ser amar o inevitável, amar o destino, amar o justo e o injusto, o próprio amor e o desamor. Ou seja, "ser, antes de tudo, um forte" (Nietzsche), sem reclamar da vida, sendo superior até mesmo ao próprio sofrimento.
Jayme Camargo, 19 de dezembro de 2013, 01:42.
quinta-feira, 5 de dezembro de 2013
amor antropológico
O RE-FLORESCIMENTO DO AMOR EM PORTO ALEGRE
No último 24 de Novembro (domingo no parque), no Araújo Viana, duas falas me chamaram a atenção. Tonho Crocco e Edu K falaram, e defenderam o amor. Minha surpresa não derivou dos sujeitos falantes, porém da importante qualificação no fundamento de suas falas. Por ser mais próximo de Tonho (ou menos distante), vou destacar mais a fala do “Defalla” do que a do groove pensante da Ultramen (melhor banda gaúcha dos últimos 20 anos). Edu K disparou com sabedoria e propriedade: “que maravilha, voltei à Porto Alegre e vejo que estão acontecendo diversos movimentos, as pessoas estão agrupadas e fazendo coisas interessantes – isso gera amor”! Tanto Edu K quanto Crocco estiveram na Oswaldo Aranha dos anos 80/começo dos 90. Isto é, participaram de um dos últimos “guetos antropológicos” de Porto Alegre – que legaram significados culturais para a cidade. Infelizmente os meus 30 anos não me permitiram vivenciar essa época. Porém, uma das mais sábias opções que fiz foi escutar diversos amigos que estavam lá e participaram daquele mo(vi)mento. As pessoas estavam na rua ocupando o espaço público e fervilhando idéias, ideais e outras trocas simbólicas que só às experiências-de-rua (mundo da vida) possibilitam. Suponho que Edu K ao falar sobre a província de hoje, de certa forma, teve um pouco na história o seu referencial. Não acho que a comparação seja o caminho mais fiel aos dois momentos. Entretanto, há uma pulsão de vida novamente fervilhando na cidade. Lembro uma frase de minha mãe, aos seus 60 anos de trajetória e antropóloga de formação: “há anos eu não via nada começar em Porto Alegre!” – referindo-se às manifestações ocorridas em junho na província e no Brasil. São diversos os movimentos que novamente estão agrupando pessoas e essa (re)união revela a socialidade viva no imaginário e nas práticas. Temos os importantes movimentos de ocupação dos espaços da polis como o “Largo Vivo”, “Ocupe Porto Alegre”, “Redenção iluminada”, etc. Coletivos de diversas áreas e temáticas também agrupam e promovem debates (tal como o “Sororidade viva”). Temos fortes nichos feministas que conferem solidez à causa em questão. Enfim, cito em nome da ilustração apenas alguns, pois seria deveras longa a lista que contemplasse todas as vertentes. O resultado disso tudo: o reflorescimento do amor em Porto Alegre. Amor não só entre as pessoas e em suas mais diversas formas e níveis, na medida em que passam a estarem mais próximas; mas também o amor em geral, amor pela cidade, pelas idéias defendidas, pela vida cotidiana como um todo. Quiçá a primavera em Porto Alegre seja a época das flores não só enquanto beleza natural, mas também enquanto antropologia da vida em sua forma mais universal: o amor!
Jayme C.
No último 24 de Novembro (domingo no parque), no Araújo Viana, duas falas me chamaram a atenção. Tonho Crocco e Edu K falaram, e defenderam o amor. Minha surpresa não derivou dos sujeitos falantes, porém da importante qualificação no fundamento de suas falas. Por ser mais próximo de Tonho (ou menos distante), vou destacar mais a fala do “Defalla” do que a do groove pensante da Ultramen (melhor banda gaúcha dos últimos 20 anos). Edu K disparou com sabedoria e propriedade: “que maravilha, voltei à Porto Alegre e vejo que estão acontecendo diversos movimentos, as pessoas estão agrupadas e fazendo coisas interessantes – isso gera amor”! Tanto Edu K quanto Crocco estiveram na Oswaldo Aranha dos anos 80/começo dos 90. Isto é, participaram de um dos últimos “guetos antropológicos” de Porto Alegre – que legaram significados culturais para a cidade. Infelizmente os meus 30 anos não me permitiram vivenciar essa época. Porém, uma das mais sábias opções que fiz foi escutar diversos amigos que estavam lá e participaram daquele mo(vi)mento. As pessoas estavam na rua ocupando o espaço público e fervilhando idéias, ideais e outras trocas simbólicas que só às experiências-de-rua (mundo da vida) possibilitam. Suponho que Edu K ao falar sobre a província de hoje, de certa forma, teve um pouco na história o seu referencial. Não acho que a comparação seja o caminho mais fiel aos dois momentos. Entretanto, há uma pulsão de vida novamente fervilhando na cidade. Lembro uma frase de minha mãe, aos seus 60 anos de trajetória e antropóloga de formação: “há anos eu não via nada começar em Porto Alegre!” – referindo-se às manifestações ocorridas em junho na província e no Brasil. São diversos os movimentos que novamente estão agrupando pessoas e essa (re)união revela a socialidade viva no imaginário e nas práticas. Temos os importantes movimentos de ocupação dos espaços da polis como o “Largo Vivo”, “Ocupe Porto Alegre”, “Redenção iluminada”, etc. Coletivos de diversas áreas e temáticas também agrupam e promovem debates (tal como o “Sororidade viva”). Temos fortes nichos feministas que conferem solidez à causa em questão. Enfim, cito em nome da ilustração apenas alguns, pois seria deveras longa a lista que contemplasse todas as vertentes. O resultado disso tudo: o reflorescimento do amor em Porto Alegre. Amor não só entre as pessoas e em suas mais diversas formas e níveis, na medida em que passam a estarem mais próximas; mas também o amor em geral, amor pela cidade, pelas idéias defendidas, pela vida cotidiana como um todo. Quiçá a primavera em Porto Alegre seja a época das flores não só enquanto beleza natural, mas também enquanto antropologia da vida em sua forma mais universal: o amor!
Jayme C.
segunda-feira, 2 de dezembro de 2013
sobre o feminismo
Sou um homem feministo (a condição masculina e o feminismo)
Eu nunca bati em nenhuma mulher, mas já tomei uns safanões. Menos mal que não fiquei traumatizado. Brigas em fim de relacionamento. Acho que a minha (in)capacidade em deixar irritadas as namoradas que estão virando ex-namoradas, aliadas a sua fúria ferina, resultaram em alguns arranhões em mim. Tive uma ex-namorada que era mega forte e braba também. Mulher incrível e maravilhosa, diga-se de passagem. Ela é leonina e certamente eu levei umas unhadas suas. Em uma de nossas brigas terminais, eu estava meio gambá do uísque e quebrei o vidro de uma porta com um soco para descarregar a minha raiva. O descontrole é sempre uma merda, mas somos passíveis enquanto humanos passionais. Foi ridículo de qualquer modo, entretanto, muito melhor descontar em um ser inanimado do que causar dor ao outro sensível. Outra ex-namorada tinha um ímpeto agressivo e pouco jogo-de-cintura em brigas conjugais. Certa vez pegou um pedaço de madeira e eu tive que sair porta a fora de casa para não sofrer piores mazelas. E se eu não tivesse saído? Acho que aqui reside um ponto.
Algumas mulheres por vezes se descontrolam. E se estão perto de sujeitos que vão apenas se defender e não contra ataca-las, então elas podem se beneficiar desse artifício. É importante não esquecer o contexto: mulheres furiosas, em brigas terminais, agindo com agressividade frente a parceiros que apenas se defendem. Esse é um caso raríssimo onde a condição de mulheres é protegida. Pois se eu e minha ex trocássemos de papeis no episódio do pedaço de madeira, já seria uma violência simbólica de ameaça (violência moral) que mui provavelmente a “Maria da Penha” categorizasse. Puxa vida, acho que deve ser isso o significado de viver na sociedade do risco... Esse risco as mulheres sofrem desde sempre dado à estrutura de mundo machista. Os artifícios e prerrogativas normalmente estão todos do lado dos homens. Nessa ínfima condição muito específica que contextualizei, acredito residir o mais próximo (ou o menos distante) que os homens conseguem chegar das injustiças que as mulheres passam no cotidiano. Aliás, essa é uma acertada tese de várias feministas, isto é, que os homens nunca vão conseguir saber como se sente uma mulher em um mundo machista full time como o nosso. Daí defenderem a não presença masculina em alguns dos seus espaços de reconhecimento.
É nesse emaranhado de novelos que me aproprio do termo cunhado pelo Juremir Machado da Silva – e lhe confiro um sentido empírico: sou um homem “feministo”! Talvez reflita a condição de alguns homens, a saber, sensíveis à defesa dos direitos feministas, porém cientes de sua condição existencial masculina. Sobretudo em sendo fruto mais de grandes mulheres do que de grandes homens, como no meu caso. Fecho fácil com Pepeu: “ser um homem feminino não fere o meu lado masculino, se Deus é menina e menino, sou masculino e feminino”.
Jayme Camarg
Eu nunca bati em nenhuma mulher, mas já tomei uns safanões. Menos mal que não fiquei traumatizado. Brigas em fim de relacionamento. Acho que a minha (in)capacidade em deixar irritadas as namoradas que estão virando ex-namoradas, aliadas a sua fúria ferina, resultaram em alguns arranhões em mim. Tive uma ex-namorada que era mega forte e braba também. Mulher incrível e maravilhosa, diga-se de passagem. Ela é leonina e certamente eu levei umas unhadas suas. Em uma de nossas brigas terminais, eu estava meio gambá do uísque e quebrei o vidro de uma porta com um soco para descarregar a minha raiva. O descontrole é sempre uma merda, mas somos passíveis enquanto humanos passionais. Foi ridículo de qualquer modo, entretanto, muito melhor descontar em um ser inanimado do que causar dor ao outro sensível. Outra ex-namorada tinha um ímpeto agressivo e pouco jogo-de-cintura em brigas conjugais. Certa vez pegou um pedaço de madeira e eu tive que sair porta a fora de casa para não sofrer piores mazelas. E se eu não tivesse saído? Acho que aqui reside um ponto.
Algumas mulheres por vezes se descontrolam. E se estão perto de sujeitos que vão apenas se defender e não contra ataca-las, então elas podem se beneficiar desse artifício. É importante não esquecer o contexto: mulheres furiosas, em brigas terminais, agindo com agressividade frente a parceiros que apenas se defendem. Esse é um caso raríssimo onde a condição de mulheres é protegida. Pois se eu e minha ex trocássemos de papeis no episódio do pedaço de madeira, já seria uma violência simbólica de ameaça (violência moral) que mui provavelmente a “Maria da Penha” categorizasse. Puxa vida, acho que deve ser isso o significado de viver na sociedade do risco... Esse risco as mulheres sofrem desde sempre dado à estrutura de mundo machista. Os artifícios e prerrogativas normalmente estão todos do lado dos homens. Nessa ínfima condição muito específica que contextualizei, acredito residir o mais próximo (ou o menos distante) que os homens conseguem chegar das injustiças que as mulheres passam no cotidiano. Aliás, essa é uma acertada tese de várias feministas, isto é, que os homens nunca vão conseguir saber como se sente uma mulher em um mundo machista full time como o nosso. Daí defenderem a não presença masculina em alguns dos seus espaços de reconhecimento.
É nesse emaranhado de novelos que me aproprio do termo cunhado pelo Juremir Machado da Silva – e lhe confiro um sentido empírico: sou um homem “feministo”! Talvez reflita a condição de alguns homens, a saber, sensíveis à defesa dos direitos feministas, porém cientes de sua condição existencial masculina. Sobretudo em sendo fruto mais de grandes mulheres do que de grandes homens, como no meu caso. Fecho fácil com Pepeu: “ser um homem feminino não fere o meu lado masculino, se Deus é menina e menino, sou masculino e feminino”.
Jayme Camarg
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