sexta-feira, 27 de setembro de 2013

espiritismo e amizade

Um anjo chamado Roberto (crônica sobre espiritismo e amizade)

Um dos queridos amigos da faculdade de Direito se chamava Roberto Peruzo Barbosa. Era mais conhecido como Beto ou Betinho. Tínhamos um grupo de amigos que sentava ao fundo da sala e Beto era um dos nossos. Muito embora ele transitasse com tranqüilidade em todos os nichos antropológicos da turma. Ou seja, Beto se relacionava bem com todos, dos pretensamente intelectuais e comunistas às patricinhas de pele laranja. Tinha grandes amizades de longo tempo em sua vida. Acabei me aproximando de seus amigos, na medida em que em algumas oportunidades joguei bola e dei algumas bandas com eles. Eles sempre me trataram com carinho e sem preconceitos, muito embora fossem da elite provinciana; algo que me fez pensar como o preconceito por vezes se disfarça mais de hippie do que de Hilfiger. Betinho era um porto seguro de qualidades. Era bonito, muito inteligente, generoso, rico e desapegado. Foi certamente o sujeito da turma com maior sucesso afetivo com as colegas. Tinha de fato inúmeras virtudes e não dava bola pra elas. Lembro com nostalgia ele sentado ao meu lado na sala de aula e dizendo: “Jayminho, tens que te superar a cada dia, a vida nos exige constante crescimento...”. Beto foi o primeiro a me chamar do modo como meus grandes amigos passaram a fazer. Ele faleceu em um melancólico sábado chuvoso véspera do dia das mães de 2007. Fiquei muito triste com a perda daquele amigo maravilhoso.

Semanas depois comecei a fazer o fitness na Redenção totalmente motivado pelo problema cardíaco que havia levado Beto embora. Em uma dessas manhãs de fitness no parque me encontrei com a sua mãe. Ela me olhou, nos abraçamos e choramos. Ela falou e mudou a minha vida: “O Beto gostava muito de ti. Muito mesmo. Tua influência fez com que ele se aproximasse mais da literatura. Além dele ser grato pela ajuda na monografia”. Aquelas palavras mexeram muito comigo. Eu sempre havia me sentindo um amigo menor, ao passo que ele contava com amigos de mais trajetória dividida. Todas as minhas amizades foram re-significadas a partir desse momento. Percebi que não havia mais espaço para contestar o afeto de vários amigos que manifestamente com esse laço me consideravam. Não questionar o amor dos amigos ajuda a resolver as relações. Tornando-as maduras, sólidas e não-carentes (independentes). A mãe de Beto concluiu: “sabes que ele era espírita, né?! Já mandou um aviso dizendo que está muito bem e que não é para lembrar-se dele com tristeza e sofrimento”. Foi aí que percebi que Beto era um anjo. O desapego dos bens materiais (que, repito, ele tinha em abundância) justifica o fato de ter desencarnado tão jovem. Já estava espiritualmente pronto. Não merecia mais as dores dos homens, pois levitava sobre elas...
Jayme C.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

futebol



Fim da era Dale? (uma pergunta em favor de Ribeiro Neto)

Devo ser o gremista que menos odeia e mais admira o Dalessandro. Todo aquele que gosta de futebol acaba admirando o futebol do gringo. Ele é o modelo de articulador eficiente e campeão. Faz toda a meia cancha jogar. Faz o movimento necessário para que o time ganhe a partida, isto é, toma conta do meio campo, lugar em que sabemos se decidem os jogos. Mesmo nesse inter irregular do Brasileiro de 2013, Dalessandro é disparadamente o melhor jogador do colorado. Entretanto, o time não repete a consistência de outrora. E nas derrotas o caça as bruxas não separa mocinhos de vilões. Todos passam pelo crivo dos milhões de entendedores do futebol. Não seria diferente com Dale. O jornalista Ribeiro Neto da Band AM 640, defende que a era Dale acabou, que parte da inconsistência colorada passa pelo fim do ciclo de seu principal maestro. Na derrota do último domingo para a Portuguesa, Dalessandro respondeu a Ribeiro Neto, na coletiva após o jogo. Disse que ficaria por muito tempo no colorado e que não adianta quererem tirá-lo de lá. Em um primeiro momento, a idéia de mandá-lo embora parece absurda e incoerente, ao passo que como referido acima, Dale é o melhor do time. Porém, pensando e repensando, talvez Ribeiro Neto tenha alguma razão. Eu disse talvez. De fato, estou em dúvida. Ressalvo para que ninguém venha pesar com ufanismos vermelhos. O papo aqui é futebol e não sobre gremistas e colorados. Enfim, Dalessandro está há 5 anos e meio no Beira rio. Raramente alguém permanece tanto tempo em um mesmo clube. Ganhou quase tudo pelo inter. No entanto, a fadiga dos metais costuma nos mostrar a importância de mudar. É difícil continuar motivado depois de estar no ápice. Lembremos que esse já será o segundo ano seguido de um time desorganizado no colorado. O fato mencionado antes de Dale ser o motor e alma do meio campo é exatamente o que pode estar descarrilhando o inter, pois o natural desgaste está colocado. O condutor do time é como o maquinista de um trem, deve sempre ter um olhar no horizonte. Pergunto aos colorados, será que Dale ainda o tem? Será que seu destaque individual se dá pela pobreza tática e técnica de outros que se esperava bem mais? É o fim da era Dale?     

Jayme C.      

subjetividade(s)

DEFEITOS & VIRTUDES: MOEDAS SUBJETIVAS DE DUPLA FACE
Acredito na ideia que os meus defeitos me definem bem mais que as virtudes. A razão para essa crença deriva do fato de meus defeitos serem constitutivos da minha vida, história e trajetória, mais do que as virtudes. Além de suspeitar também que minhas imperfeições ainda existam em maior número. Com relação aos defeitos serem mais constitutivos, penso que nascemos sendo animais cheios de falhas. O tempo nos permite ir corrigindo alguns desses vícios, na medida em que os anos passam. É o maravilhoso lapidar da existência. Nesse processo vamos transformando surrados defeitos que carregamos por muito tempo em preciosas virtudes. Constatar essa transformação em nossas práticas cotidianas é confirmar que em pelo menos algum aspecto estamos de fato mudando. Para os que buscam amparo terapêutico, aliás, trata-se de uma incrível conquista. Entretanto, é muito difícil mudar as práticas. Temos um determinado jeito-de-ser e depois que ele se dá é que nos damos conta de como ele é. Somos inconscientes. E des-construir o nosso inconsciente demanda tempo e dedicação. Nesse contexto a razão ocupa um lugar importante. Acredito que devemos buscar a máxima consciência dos próprios defeitos ao invés de racionalizar as virtudes. Se as virtudes são racionalizadas, então a chance de inflar os nossos já espaçosos egos é grande. É a tarefa cotidiana de dominar internamente o nosso monstro chamado ego para que ele não projete nossas vaidades sobre o outro. E o que fazer com as virtudes? Gozar as conquistas que elas nos proporcionam. Viver com alegria e humildade a felicidade das vitórias que as nossas habilidades nos brindam. Desse modo, a evolução subjetiva faz com que cada grande defeito que temos corresponda a uma virtude. São as moedas subjetivas que compõe as nossas vidas e tais como as moedas do capital estão em dupla face. Daí a necessária referência à humildade, isto é, não dá pra se achar.
Jayme C.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

semana esfarrapada



A revolução esfarrapada e o hino nos estádios

Faz algum tempo que se toca o hino do RS antes das partidas de futebol. Faz também algum tempo que me chama a atenção a hipnose e o transe coletivo que esse momento gera nos gaúchos médios. Cantam como se o retratado no hino fosse a mais gloriosa das revoluções. Acreditam que o orgulho de ser gaúcho deriva desse portal das virtudes que é a revolução esfarrapada em seus imaginários. Os gaúchos médios são a maioria nos estádios após a sua elitização. São os mesmos que acordam ouvindo e acreditando na Rosane Oliveira, almoçam com Lasier Martins, veneram a Cia Zaffari, são contra as cotas na universidade pública, contra médicos cubanos para atender aos pobres (dado que contam com a segurança da Unimed), defendem a redução da maioridade penal. Ou seja, são conservadores. Tal como os escravagistas e loucos pelo lucro oriundo do charque que levaram a cabo a tal revolução. Desse modo, o eterno retorno do mesmo parece confirmar a representação do passado em nosso presente bandido disfarçado de libertário. Falam do RS como se fosse à terra prometida. Quem nunca ouviu por aí algum gauchão tradicionalista sustentar: “aqui no Rio grande é diferente!”?! Durante duas semanas em setembro ficam acampados em um parque chamado Harmonia, porém acham uma barbaridade quando se acampa na Câmara municipal para se protestar por melhorias. Harmonia desde que não apareça a diferença, na medida em que lá é proibido que pessoas homoafetivas manifestem a sua liberdade na semana esfarrapada. O que acho mais inoportuno é quando vejo crianças reproduzindo esse comportamento no horizonte das atitudes dos pais. Quiçá o hino esteja certo em um ponto: “povo que não tem virtude acaba por ser escravo” do destino enquanto pré-conceito.

Jayme C.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

lulu santos



Meu afeto pós-reprimido por Lulu Santos

Eu nunca tinha sido muito fã do som do Lulu Santos. Paulinho da Viola, Martinho da Vila e outros congêneres sempre me tocaram muito mais. Em idos de 2000 comecei a ler e me dedicar para algumas atividades intelectuais. Chato, como boa parte dos sujeitos que se dedicam exclusivamente ao pensamento, passei a criticar sem piedade artistas que (a meu ver) faziam musicas comerciais e tinham relações globais. Lulu não ficou de fora de críticas vorazes às suas canções.

Ocorreu que fui ao Planeta Atlântida de 2012. O grande músico e querido amigo Chico Bretanha ia tocar no camarote do Planeta com a magnífica banda “Império da Lã”. Fomos eu e as queridas amigas Aline Medina e Letis (namorada do Chicão). Chegando lá havia uísque e Red Bull no camarim da Império da lã. Os rapazes da banda foram fazer seu show e eu acabei ficando como guardador dos etílicos. Foi uma das melhores funções que desempenhei em minha vida, isto é, de porteiro do uísque! Puxa vida, que trago! O estrago só não foi maior porque havia Gattorades para amenizar os delírios.

Terminado o show da Império fomos ao palco central. Estava começando o show do Lulu Santos. Foi aí que inebriado pelas doses do “cachorro engarrafado” me percebi cantarolando marotamente todas as canções de Lulu. Aline Medina ainda disparou: “essas músicas são para nós, velhos, perto dessa piazada que está aqui; nós conhecemos e acreditamos!”. E foi aí que mudou a minha relação com o som de Lulu Santos. Não dava mais para colocar pré-conceitos na frente da minha sensibilidade. Era hora de não mais reprimir o meu encontro com Lulu. Até o cigano Igor apareceu (aquele que dizem ter feito merdas violentas no passado) e se divertiu ao som de Lulu com a gente. Moral da história: na arte enquanto forma de vida, mais vale uma sensibilidade acolhida do que uma razão pré-conceituosa. Até porque – nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia.       

Jayme C.