segunda-feira, 18 de maio de 2015

SENTIDOS

PEQUENOS MOMENTOS, GRANDES SENTIDOS


Eu estava no sempre auspicioso Bar 512 quando uma garota que eu não via há 10 anos veio falar comigo. Já havíamos nos cumprimentado na porta de entrada, e nesse momento percebi o carinho em sua reação ao nos revermos. Eu tinha uma lembrança do semblante dela, mas sem grandes intimidades, ademais, sequer lembrava/sabia o seu nome. 


Estávamos na área de fumantes, ou seja, na parte externa do bar. Surpreendentemente, ela iniciou sua narrativa: “Era muito significativo para mim, quando eu ia dar aquelas caminhadas na Redenção, te ver lá, feliz, tocando e transpirando alegria. Meu irmão estava morrendo de câncer, e aquelas caminhadas tinham como horizonte espairecer, reciclar um pouco aquele temor frente à finitude...”.

Bom, tentei não perder a leveza, mas foi inevitável alterar um pouco o tom debochado de quase sempre – sobretudo, na medida em que estávamos na noite, bebendo e eu não havia sentido intimidade antes dela começar a falar... Fiquei deveras tocado com o seu relato. Tentei conduzir o assunto para um Norte menos delicado, mas ela retomou o ponto, dizendo: “tu não fazes ideia o quanto eu amava mesmo te ver, mesmo que eu só te cumprimentasse, naquelas caminhadas...”. E com lágrimas caindo, concluiu: “eu te amo”! Nesse momento, trocamos um forte e fraternal abraço.

Dias depois era o seu aniversário. Suponho que a proximidade com essa data tenha colaborado com aquela sensível nostalgia de outrora. Na parte que me tocou, fiquei novamente impressionado como não temos um amplo saber sobre as consequências das nossas múltiplas vivências cotidianas. Os seus desdobramentos habitam sempre para além da nossa ilusão de controle sobre os nossos próprios sentidos. Além disso, pensei sobre como é bom estar em um lugar no qual a nossa história está enraizada, e assim ter a possibilidade de re-sginficar o passado permeado de amor. Feliz aniversário atrasado, Carol!
Jayme C.

suor no maranhom

SUOR NA SALA DE AULA NO MARANHÃO
No primeiro dia de aula, a minha primeira fala com os alunos sempre é o pacto do ar condicionado. Digo que, como sou um gordinho do Sul, suo muito e sinto saudade do frio. Logo, o ar condicionado deverá sempre estar em 17 graus. Alerto as meninas da turma, que sempre sentem mais frio, que é uma oportunidade climática de serem chiques de um modo diferente, usando mantas, echarpes, ou até aquele moletom trazido da Disney, estilo “Planet Hollywood”. O suor retira a minha concentração quando estou a dar aula. Aqui no Maranhão, praticamente, faz 30 graus o ano todo. Como disse no início, difícil para gordinhos sulistas…
Um aspecto me colocou a pensar esses tempos. O suar em público enquanto índice da preocupação com a própria imagem. Ou seja, a diferença que existe, ao menos para mim, entre estar suado, por exemplo, em uma festa ou estar suado quando estou dando aula. Odeio ficar excessivamente suado em uma festa. Já sou feio, se estiver muito maltrapilho ou muito suado alguns horizontes podem ser impossíveis... Quando estou dando aula, o deslocamento sempre provoca transpiração devido ao calor, e 80% das vezes começo a aula suado. O ar gelado vai me refrescando, na medida em que a Hermenêutica vai acontecendo. Aliás, há tanto amor profissional em jogo quando estou dando aula que não me importo com o cotidiano suor de começos de aulas...
Jayme C.

livros

Livros para o outro (ao vencedor as “melhores” batatas)
Ontem fiz uma coisa muito legal. Comprei 46 livros para premiar um vencedor. Comprei livros para alguém que ainda não existe, pois o concurso ainda não se realizou, isto é, o vencedor ainda é apenas uma ideia metafísica – muito embora já seja o horizonte de todos os concorrentes. Escolhi livros muito legais, tal como se estivesse comprando para mim. Poderia ter resolvido com comodidade e escolhido por uma lista da Internet, que nem sequer trazia o nome dos autores. Porém, fui até a livraria e escolhi como se estivesse a montar minha biblioteca. Foi lindo. Eu nunca na minha vida tinha comprado 46 livros de uma só vez. Todos novinhos. Com aquele cheiro maravilhoso de livro novo. Autores como Maquiável, Robert Alexy, Boaventura de Sousa Santos, Norberto Bobbio, para citar apenas quatro na imensidão dos 46. Aliás, um super agradecimento à gentil gerente da Livraria Leitura, não apenas pela atenção dirigida, mas também pelo excelente atendimento de sua equipe. Eu amo muito os livros... Devo boa parte da re-fundação existencial que outrora fiz em meu próprio ser, devido a sua existência em minha vida. Nesse contexto, foi uma tarde de amor aos livros mesmo não sendo o destinatário desses passaportes literários. Afinal, a leitura sempre nos desloca para outro lugar, na medida em que lendo o ainda não lido construímos novos sentidos. Acredito que existam dois modos fundamentais de conhecer culturas, a saber, lendo e viajando. Só posso ler o tempo todo...
Jayme C

atitude rock'n roll

Nietzsche e a atitude rock'n roll
Li uma crítica de um especialista em música que enxovalhou a “Banda do Mar”. A razão essencial, a falta de atitude na “pegada” da banda. Debochadamente, o autor chegou a chamá-la de “bunda do mar”, eu ainda não tinha escutado a banda. A partir do que li, escutei diversas músicas e achei bem razoável. Acho que têm bandas fazendo canções muito mais chatas e muito mais sem conteúdo, candidatas mais aptas à fúria debochada da intelligentsia musical.
O ponto, entretanto, é outro. O que de fato me incomoda é a tese que povoa o imaginário de uma galera por aí, a qual revela que apenas e exclusivamente os rockeiros têm uma postura crítica perante a vida. Essa ideia tanto se faz presente que temos a expressão cotidiana: “atitude rock ‘n’ roll”. Talvez no passado essa forma de linguagem representasse um mundo. Porém, o tempo sempre se encarrega de modificar as práticas e revelar algumas petrificações na linguagem. Ou seja, a atitude rock ‘n’ roll não está mais, necessariamente, nas bandas de rock e em seus seguidores. Ela também está no samba (música identificada com vários grupos de resistência étnico-antropológica), está no rap (tal como no samba), está na MPB, em seus acontecimentos repletos de conteúdo, tais como em Otto, Lenine, Baleiro, Criolo etc.
Perante a vida, a alternativa é a atitude nietzscheana. Ora, um dos alvos do filósofo alemão, considerado o psicólogo da cultura ocidental era a hipocrisia oriunda da moral cristã. Nietzsche tinha um colorido desprezo pela nossa condição de aceitação tácita dos valores postos. Em outras palavras, pela incapacidade do ser humano de questionar os valores (im)postos previamente aos fatos que atravessam a nossa existência. Desse modo, segundo ele, reproduzimos uma moral de escravos, no sentido de que estamos sempre esperando uma espécie de autorização senhoril (uma permissão que venha do céu, ou da nossa razão) para vivenciarmos as nossas próprias percepções da vida. Dada essa condição, interpretamos a nossa existência a partir de critérios exteriores a nós mesmos. Não nos entregamos às nossas próprias afecções; e, assim sendo, na hora do contato com o outro, somos hipócritas.
A tal “atitude rock ‘n’ roll” sempre me passou algo nietzscheano no horizonte da desconstrução da hipocrisia… Quiçá, daí derive a minha forma de referir na linguagem cotidiana a atitude como nietzscheana. Acho que é possível gostar mais do pandeiro do que da guitarra e ter uma postura crítica na vida. Já dizia Bezerra da Silva, um dos maiores “roqueiros” da música popular brasileira: “malandro é malandro, mané é mané, pode crer que é”.
Jayme C.

MAIORIDADE PENAL

SOBRE A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
A questão da redução da maioridade penal reascende à tensão na sociedade brasileira. Os grupos conservadores, ao sustentarem a redução, defendem basicamente uma melhoria no controle da violência. Em um contexto mais amplo, situam-se entre aqueles que defendem o porte de armas para civis, o endurecimento das penas, o encarceramento para usuários de drogas. Sua justificativa é sempre a mesma: a insegurança pública deve ser contida através da simples expansão do Estado-penitência. Segundo essa leitura, a violência deve ser combatida com mais violência.
Uma das primeiras lições que se aprende em Criminologia, revela que o crime possui origens “bio-psico-sociais”. Portanto, um fenômeno que tem uma realidade complexa, ou seja, não linear. Assim sendo, há uma inconsistência entre a proposta conservadora de uma resposta simples através do Direito Penal, para um problema complexo como o da violência urbana. A sociedade brasileira tem uma imensa gama de pessoas sem os direitos fundamentais sociais garantidos pelo Estado. Saúde, educação, alimentação, saneamento básico, enfim, o mínimo existencial para que um ser humano viva com dignidade.
Se um sujeito não possui a possibilidade de viver com dignidade, então podemos estar perdendo mais uma pessoa para a barbárie. Com muita sorte não perderemos a todos nessa condição. As biografias das pessoas e suas práticas, sabidamente, são um critério diferenciador. Porém, os que perdemos para a violência, perdemos por desnutri-los em seu “bios”, violentá-los em seu “psico” e abandoná-los no social. Façamos um exercício de ficção: imaginemos que a pessoa nessas condições tem 16 anos e que seu problema é simples de ser resolvido: cadeia. Devido ao caráter seletivo do Direito Penal, encarceramos sem nenhum pudor aos pobres, negros e desvalidos. É uma irresponsabilidade coletiva encarcerarmos os nossos jovens. Desse modo, estaremos reafirmando a nossa omissão com os jovens pobres, com os jovens negros, isto é, com os nossos jovens raquíticos em seus direitos básicos. A não redução da maioridade penal é a possibilidade de salvarmos o que resta da nossa dignidade enquanto sociedade civil.
Jayme C.