O Estado (não) sou eu: os músicos e o fechamento dos bares
A prefeitura resolveu fechar alguns bares na Cidade Baixa. A alegação é
que tal ação foi tomada visando “harmonizar” o convívio entre moradores,
comerciantes e pessoas que buscam entretenimento nos bares. E os músicos,
senhor Fortunati, restarão abandonados aos infortúnios do esquecimento? Música
é cultura. E cultura uma garantia constitucional, ou seja, a sua prestação é um
dever do Estado. Mais do que isso, temos que desconstruir uma ideia equivocada
no imaginário de muitos, a saber, que os músicos estão se divertindo na Cidade
Baixa, ao invés de estarem trabalhando. Os músicos são trabalhadores tais como
os prefeitos, garis, mecânicos, enfermeiros, professores, enfim, estão na noite
lutando pela sua subsistência e de suas famílias. Essa inclinação que alguns têm
de não visualizarem essa realidade dos trabalhadores da noite, legitima o
esquecimento do poder público com relação a essa classe trabalhadora.
Como exposto acima, a música cumpre um importante papel na construção
da cidadania enquanto direito fundamental que é. São significativos os
benefícios sociais para os participantes de comunidades que protegem e estimulam
a sensibilidade cultural entre seus membros, sobretudo os jovens. Nesse horizonte,
a música ajuda a educar a percepção sensível dos que estão em contato vivo com
a sua presença.
Música é poesia. Assim sendo, provoca a capacidade de resignificação da
vida no ser humano (fundamental em uma sociedade com dificuldade de lidar com
as frustrações). Portanto, como ignorar os trabalhadores cujo ofício é tão
nobre, em decisões que envolvem as suas circunstâncias profissionais? Os músicos
devem ter um relevante local de fala nesse debate. Aliás, um debate plural na
comunidade deve ser realizado antes que de-cisões sejam tomadas. A não
observação dessa fala implicará na ausência de legitimidade das ações do poder
público, sob o manto do autoritarismo e da “democratura”. Dois aspectos devem
ser ressaltados: o primeiro é que a solução em curto prazo não é “despejar” o
público alvo da CB para o Anfiteatro Pôr do Sol; muito embora seja uma possibilidade
futura para se criar mais um espaço de fomento a cultura, e ainda, de quebra,
humanizar um local que é perigoso, sobretudo à noite. O segundo, com relação
aos moradores do bairro, de forma alguma considera-se que não devam ter a sua
fala sopesada. Entretanto, não pode ser uma fala única, na medida em que o
absolutismo e(m) suas ideias como “o Estado sou eu” – já está ultrapassado, mesmo
em nossa jovem democracia. Chico Buarque, músico por excelência, também cantou
em nome de sua classe: “pai, afasta de mim esse cálice”, ou seria esse cale-se?
Jayme C.