Ode ao
Lixo
Desce ela, muito bela, pronta para
seu encontro. Antes de sair de casa, levou consigo poucas expectativas, uma
respiração ofegante, um sorriso no rosto e o lixo de casa na mão. O lixo é posto
na rua, afinal, hoje é o dia em que o lixeiro passa.
Falo sobre seu lixo pessoal, o que
ela tem de mais torto, sujo, obscuro. Suas travas, seus defeitos. A parte
escura do seu ser. Deseja colocá-lo
na rua, para que alguém se encarregue de leva-lo para bem longe.
Volta do seu programa mais leve,
entretida. Ao passar pelo poste, vê que o lixo segue intacto. “Que estranho. O
que ele ainda faz ali? Devo deixá-lo na rua? Por que não foi recolhido?”. Deu
alguns passos a frente e olhou para trás, por cima do ombro. Lá estava ele,
contendo o que sobrou da semana, o que não foi aproveitado, o que foi
rejeitado.
Subiu até seu quarto com uma
sensação de estranhamento. “O que estou fazendo?”. O cheiro forte foi se
espalhando pelos cômodos. Um cheiro de mofo, cheiro do passado, do obscuro, do
que estava escondido. O saco estava em seus braços. O lixo havia retornado de
onde saíra, voltado para dentro de casa, para quem lhe pertencia.
“Que
desagradável. Por que será que não consigo me desapegar desses conteúdos?”. Ela
sentiu um pavor em abrir o saco. Experimentou uma mistura de asco, desejo e
curiosidade. O que encontraria ali poderia a desestabilizar, a desacomodar. No
meio dessa mistura de sentidos foi então que reparou que seu quarto continha
restos usados e inacabados espalhados por toda parte, em cima da sua cama, do abajur,
da escrivaninha, do tapete, dos seus livros e porta retratos. Haviam sucatas,
restos mastigados, sujos e quebrados. O estranho é que ela subitamente
sentiu-se familiarizada com tudo aquilo. Num impulso saudável de consciência
pensou: “Está na hora de realizar uma reciclagem”.
Luiza Mothes é psicóloga e mestre em cognição humana.
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