sexta-feira, 25 de outubro de 2013

travessia e futebol

O épico fato e o patético Pato
Após passar 16 das últimas 24 horas em um ônibus, no horizonte São Borja bate e volta, pedi ao motorista que me deixasse na praça do avião em Canoas. O relógio marcava 21hs e 36min. Caminhei em umas ruas semi-escuras em direção à estação do trensurb. Tomei o trem e o jogo já havia começado em meus ouvidos ligados no velho radinho de pilha. Desci na estação Anchieta e caminhei o trajeto de um pouco mais de 1 km, no meio do barro e da água acumulada no sofrível entorno da Arena. Em minhas costas uma pesada mochila fruto dos recém-chegados de viagens. Travessia realizada, entrei no estádio aos 34 da primeira etapa. A frustração por ter perdido a primeira meia hora da peleia, suplantada pela alegria de estar novamente junto com o meu time almado. Fui ao meu lugar de sempre e nele encontrei os novos amigos que dividiram comigo a arrancada “milagre da luz” - que o Grêmio teve a partir do confronto com o Cruzeiro. Naquela partida algumas previsões foram feitas a partir da queda de energia e ao se confirmarem ficaram conhecidas como o tal milagre. Tudo passou divinamente a dar certo, até mesmo 3 zagueiros e 3 volantes que passaram a ser escalados. Ontem, mais uma vez, reverberou o eco de uma previsão feita antes do fato. Em meio à pressão que ajudava a fazer antes de iniciar as penalidades, disparei: “o Dida vai defender o último pênalti do Pato que vai chutar rasteiro!”. Falei isso comprometido com a micro tese que tenho, a saber, que o Alexandre Pato é o maior blefe da recente história do futebol mundial. Ele nunca jogou coisa nenhuma. Pato deve ser lembrado mais como uma foca que como jogador, ao passo que nosso imaginário ao pensar em algum lance seu iluminado não consegue lembrar outro que as embaixadas com o antebraço. A sua cobrança foi lamentável. Além de revelar descompromisso e irresponsabilidade. Obrigado, Pato, por mais uma mentira sincera desvelada, essa pode valer um campeonato!
Jayme C.

São Borja

Diário de São Borja (o eterno retorno da história)

Após 8 horas de viagem cheguei à terra dos presidentes. É uma quarta semi-abafada, de uns 25 graus, e essa conjunção reflete a densidade existencial que sinto na cidade. Pergunto a um transeunte onde é a padaria mais próxima. Ele me indica um minimercado chamado Alaska (que também tem pães). Eu não queria um mercadinho. Queria uma simples e gostosa padaria de interior para poder tomar um justo café da manhã com um pãozinho novo. Resolvo tomar um taxi e ser mais explícito ao pedir uma padaria ao taxista. Ele me leva a maravilhosa padaria “Kitutes”. Kitutes demora apenas um café da manhã para se consagrar como a padaria do meu coração em São Borja. São 8 e meia da manhã e eu devo ir ao foro pegar um processo. Passarei o resto do dia viajando de volta à POA. Assim sendo, opto por ir caminhando e observando as pessoas e suas práticas, as construções baixinhas, enfim, libero meu lado antropólogo urbano e tento compreender algo do imaginário dessa terra que extemporaneamente me cativou. Paro para olhar o nome de uma rua em uma placa e vejo em seu canto sobre um fundo azul os dizeres: “Terra dos presidentes”! Juntamente com uma foto de Getúlio ao lado de uma de Jango. Em todas as ruas a história se repete. Desconfio que a densidade antes referida também passe por esse eterno retorno da história presente em suas ruas. As pessoas em geral são simples, amáveis e prestativas. E muitas são bugres e não caucasianas puras de olhos azuis – fator que me gerou uma identificação étnica entre seus habitantes. Ao chegar à rodoviária me deparo com uma criança e sua mãe. Elas manifestamente eram pessoas com dificuldades financeiras. A menina se chamava Gislaine e era uma graça: pura simpatia e um carisma já despontando aos 6 anos de idade. Perguntei quando era seu aniversário. Ela disse que já tinha feito em 3 de outubro, mas que tinham esquecido de convidar os convidados. Sua mãe explicou: “é que o pai dela prefere dar roupas a fazer uma festa de aniversário, é tudo muito caro”. Pedi que Gislaine cuidasse da minha mochila enquanto eu ia ao banheiro e assim na volta eu daria um presente que ela escolhesse. Fomos até uma lojinha da rodoviária e Gislaine escolheu a bola verde. Também provei do eterno retorno da história, lembrando em quantos inúmeros aniversários o meu deleite havia sido ganhar uma bola nova. Assim me despedi de São Borja, contaminado pelo sorriso da menina e mais feliz por tê-la alegrado.
Jayme C.


segunda-feira, 7 de outubro de 2013

lua e estrela

Um domingo quente

Os domingos quentes na província me remetem ao suor, mas também ao tor por. De felicidade. Eu havia conhecido uma garota em um churrasco de aniversário de um querido amigo na zona sul. Tipo comédia romântica. Peguei carona com um lindo casal de amigos (que se conheceram na minha despedida quando fui morar em Brasília) e no caminho fomos resgatar uma amiga da minha amiga. Para ela também ir ao tal churrasco. O casal de amigos lhe dissera que iriam apresenta-la a um amigo que começava com a letra Jota. Detalhe do destino é que não era eu. Mas eu estava no carro e assim acabei a conhecendo antes do outro jota. Rimos, debochamos e depois falamos sobre a vida. Uma semana e um dia depois, além, é claro, de algumas profundas e poéticas conversas facebookeanas, estávamos eu, ela, e seus amigos, em um domingo quente no Gazômetro. O fatídico domingo em que a lua e a estrela se aliaram no céu. Se alinharam como Vênus enquanto deusa do calor. O grupo não deixou de observar, a tal garota tirou uma foto e (me) provocou: “diz uma legenda aí, tu que gosta das palavras!”. Demorei até ter a iluminação divina. O grupo cobrou: “tá, e aí, cadê a legenda?!”. E num lampejo de luz, subitamente, vislumbrei: “no domingo quente, a lua e a estrela no céu que as preenchem”. Assim nos entregamos. Dançamos ao som de Clara Nunes. Agora, vida que segue e se encarregue do horizonte...
Jayme C.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

trair

Por que não trair?

Tive uma dose sensivelmente cavalar de porque não trair. E foi em um momento lindo, não com apenas dor no coração. Ao menos em parte, isto é, da minha parte. Andamos de bici no pôr do sol, sentamos na beirinha do rio e admiramos as múltiplas cores do céu pós-sol que se pôs. Bebemos por aí, bebemos tango no Odeon. Sentamos em uma praça já tendo nos emaranhado. E aí ela contou. Havia passado pela dor da traição. E chorou, chorou... A tristeza que parece estar sendo superada refletia com mais brilho seus iluminados olhos mel-esverdeados. Ao falar de sua história eu não conseguia compreender como algum babaca poderia ser protagonista daquela escória. Ela é sensível, bela e interessante. Como alguém pôde abdicar de um amor tão pleno fazendo tatuagens de sofrimento? Era inexplicável para mim. Eu estava ali, exatamente no outro ponto da história, começando a conhecê-la e adorando esse processo. Não deixei de dividir com ela essa concreta dúvida hiperbólica – já aproveitando para afagar e fazê-la sorrir. Foi muito bizarro perceber como podemos fazer tão mal para pessoas tão maravilhosas. Lembrei, obviamente, das cretinices que patrocinei. Pensei e me penitenciei pelos equívocos praticados. Ali naquele momento percebi o quanto não quero estar no polo oposto ao que estou. A merda que ela passou, de certa forma, acabou possibilitando o nosso encontro provinciano. E nesse momento único que atravessamos já me legou ensinamento via sentimento.
Jayme C