quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

relações e desejos

A (anti)ética do desejo

Um critério possível para um casal estabelecer em uma relação a dois é o da ética do desejo. Ou seja, que as pessoas sempre façam aquilo que estão querendo quando distantes e não precisem compor os desejos. Evita que o outro seja visto como uma castração, na medida em que sempre apóia que banquemos o que queremos fazer.

Não ser sentido pelo parceiro como um obstáculo para a execução do seu querer é uma importante conquista de algumas relações. Não que seja fácil conseguir esse horizonte. Muita afinidade, diálogo e lealdade são elementos decisivos nessa constituição. Além de muito amor, é claro, pois a entrega de ambos à relação deve ser sentida com reciprocidade. A existência ou não de similitude na dedicação de cada um serve como termômetro da relação.

Entretanto, a ética do desejo pode ter os seus revezes. Nos momentos de instabilidade na relação, pode ser um fator de insegurança para o parceiro. Quando os casais atravessam turbulências, por vezes os sujeitos se abrem para vivências às quais estavam fechados nos tempos de felicidade... Nesses contextos pode-se ter dificuldade ao optar pela ética do desejo. Em outros termos, talvez se devesse perguntar como agir quando o nosso desejo se torna colidente com o desejo do outro. O que fazer entre bancar o que queremos e a necessária consideração com o parceiro em nossas opções? Nesses momentos, a ética do desejo pode implodir de vez com uma relação que está cambaleando.

Um olhar antropológico, sobre essas questões, pode apontar a primazia do individualismo como base da ética do prazer, pois uma relação com esse grau de liberdade só se realiza com duas pessoas com concretude, que se satisfazem consigo mesmas, que sejam plenamente independentes. A essa concepção pós-moderna se contrapõe outra que não é capaz de conceber amor sem a união dos corpos, dos desejos e dos projetos de vida. Tradicionalmente, o amor não é viável sem que as pessoas sejam capazes de se entregar ao outro.         

É difícil construir critérios quando estamos nos relacionando afetivamente com alguém. Cada sujeito é um mundo com as suas particularidades históricas. E, desse modo, cada um dos amantes chega à relação com um modo de ser único em suas práticas. Talvez, o desejo do outro seja um excelente critério quando conhecemos bem o nosso parceiro. Talvez, funcione quando haja sintonia nas maturidades de ambos. Ou não, talvez a ética do desejo se revele frágil nos momentos de crise ou de falta de reciprocidade na transparência. São os paradoxos de um mundo no qual os valores estão constantemente em franca transformação. Como diria Caetano, em seu terno dom de iludir: “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
Jayme C.

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