A (anti)ética do desejo
Um critério possível para um casal estabelecer em uma
relação a dois é o da ética do desejo. Ou seja, que as pessoas sempre
façam aquilo que estão querendo quando distantes e não precisem compor
os desejos. Evita que o outro seja visto como uma castração, na medida
em que sempre apóia que banquemos o que queremos fazer.
Não ser sentido pelo parceiro como um obstáculo para a
execução do seu querer é uma importante conquista de algumas relações.
Não que seja fácil conseguir esse horizonte. Muita afinidade, diálogo e
lealdade são elementos decisivos nessa constituição. Além de muito amor,
é claro, pois a entrega de ambos à relação deve ser sentida com
reciprocidade. A existência ou não de similitude na dedicação de cada um
serve como termômetro da relação.
Entretanto, a ética do desejo pode ter os seus revezes. Nos
momentos de instabilidade na relação, pode ser um fator de insegurança
para o parceiro. Quando os casais atravessam turbulências, por vezes os
sujeitos se abrem para vivências às quais estavam fechados nos tempos de
felicidade... Nesses contextos pode-se ter dificuldade ao optar pela
ética do desejo. Em outros termos, talvez se devesse perguntar como agir
quando o nosso desejo se torna colidente com o desejo do outro. O que
fazer entre bancar o que queremos e a necessária consideração com o
parceiro em nossas opções? Nesses momentos, a ética do desejo pode
implodir de vez com uma relação que está cambaleando.
Um olhar antropológico, sobre essas questões, pode apontar a
primazia do individualismo como base da ética do prazer, pois uma
relação com esse grau de liberdade só se realiza com duas pessoas com
concretude, que se satisfazem consigo mesmas, que sejam plenamente
independentes. A essa concepção pós-moderna se contrapõe outra que não é
capaz de conceber amor sem a união dos corpos, dos desejos e dos
projetos de vida. Tradicionalmente, o amor não é viável sem que as
pessoas sejam capazes de se entregar ao outro.
É difícil construir critérios quando estamos nos
relacionando afetivamente com alguém. Cada sujeito é um mundo com as
suas particularidades históricas. E, desse modo, cada um dos amantes
chega à relação com um modo de ser único em suas práticas. Talvez, o
desejo do outro seja um excelente critério quando conhecemos bem o nosso
parceiro. Talvez, funcione quando haja sintonia nas maturidades de
ambos. Ou não, talvez a ética do desejo se revele frágil nos momentos de
crise ou de falta de reciprocidade na transparência. São os paradoxos
de um mundo no qual os valores estão constantemente em franca
transformação. Como diria Caetano, em seu terno dom de iludir: “cada um
sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
Jayme C.
Jayme C.
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