quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

paradigma da dor

Chão de barro

Quando minha avó morreu abriu-se o chão e eu cai num abismo. Isso porque, mantive uma complexa relação de amor com ela. O que me atrapalhou na demonstração de afeto a outras pessoas enquanto ela foi viva. Em verdade, o afeto partiu dela.

Meu avô, com quem ela casou com 18 anos, sofreu um acidente e morreu repentinamente quando ambos tinham 46 anos. Ficaram apenas as três mulheres – minha avó, minha mãe e minha tia. O meu avô se chamava Jayme de Azevedo Camargo. Eu nasci quatro anos após a sua morte, e minha mãe lhe rendeu a homenagem projetada no nome que me deu. Resultado de tudo, é que fui dois “Jaymes” no imaginário delas.

O sofrimento pela perda de vovó foi até seu último batimento cardíaco. Deu-se ao vivo. Era uma tarde abafada de setembro. Minha avó estava tomada pelo câncer e sabia-se que eram os seus últimos dias. Estava em um quarto do hospital e não na UTI, pois não havia mais volta. Saí da Puc às 11 e 30 e fui direto para lá, onde encontrei minha mãe. Pouco depois, fomos para casa almoçar. Imediatamente, após comer disse para mamãe que ia voltar para o hospital. Discutimos, pois ela queria que eu fizesse outra coisa antes de voltar para junto de minha avó.

Saí porta afora e voltei para o hospital. Estava no quarto, eu, uma sobrinha de minha avó e mais uma pessoa que não me lembro. Eu estava sentado em um banco bem junto ao leito, abraçado nela. Meio que cochilei e me acordei com a fala da sobrinha: “o coração da tia está parando de bater”. Comecei a chorar e abraçado em sua barriga fui sentindo o coração de “vovolinha” lentamente parar. Como disse no começo, fiquei sem chão.

Anos depois, em uma das muitas sessões de terapia com o meu querido ex-psicólogo Dr. Fausto Lemos, eu me percebi relatando que não apenas tinha caído em um abismo, mas que no fim da queda eu me esborrachei em um chão de barro, aquele barro bem vermelho. Senti a condição de nenhum outro horizonte que não apenas o chão duro de barro vermelho. Dá para se imaginar o que significou esse sofrimento na minha pele... Foram meses de muita dor. De lágrimas incontidas em dias de torpor existencial. O maior sofrimento da vida.

Esse momento vivido há 14 anos tornou-se o meu paradigma para o que é sofrer e sentir dor. Em palavras terapêuticas, o meu mito de (re)fundação existencial. Acho que talvez por isso o meu imaginário referiu-se ao chão de barro, metáfora perfeita para a possibilidade de re-modelagem. A mistura da dor com a sensação de estar perdido é algo deveras difícil no horizonte do sentido. Enfim, ao se tornar o meu referencial de sofrimento, a perda da minha avó só vem à tona nos momentos mais difíceis. E sempre reverbera um ensinamento em meu coração: só a morte encerra, em definitivo, as nossas possibilidades. No mais, como diria um amigo poeta, vida é fortuna, fado e circunstância.         

Jayme C.

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