MATAR O CHEFÃO E PASSAR DE FASE
Eu estava conversando com um
grande amigo meu. Ele referia-se a como é difícil se relacionar com uma
pessoa que não encerra as suas histórias passadas. Falávamos ao
telefone, e quando ele fez essa menção, ascendeu uma lamparina em minha
cabeça corroída pelo Jornal Nacional. De fato, é uma bronca grande estar
com alguém que não sabe fechar os ciclos. E quantas vezes não somos nós
próprios que estamos nessa condição? É sempre diligente olhar para o
próprio umbigo...
Acho que essa dificuldade, quiçá, passe por não
enxergarmos que já “matamos o chefão” e passamos de fase, como nos
referíamos aos joguinhos de nossos video-games dos anos 90. Por falar em
“jogos”, acaba sendo uma possibilidade constante para aquele que deixa
as histórias em aberto. É terrível quando envolvemos o outro que não
está a fim de jogar, em nossas emaranhadas “partidas” que já deveriam
ter acabado.
Creio que outra consequência de deixar pequenas
histórias sempre com reticências é que dificilmente conseguimos
construir uma relação mais sólida e constante. Não que isso seja um
problema, pois dá para ser muito feliz solteiro(a), sobretudo em uma
terra pródiga como POA. Aliás, é possível utilizar a circunstância do
amor aos desígnios da vida (Amor fati) para se representar essa dupla
possibilidade de felicidade. É muito bom ser casado, mas também são
significativos os prazeres de ser solteiro.
Voltando ao não
encerramento dos ciclos já vivenciados, penso que podem revelar
problemas na ligação com a própria história daquele que se mantém nessa
condição. Não tenho plena certeza, mas desconfio que haja algum vínculo
entre o modo com que atribuímos alguns significados a partir da nossa
historicidade e o grau de maturidade que temos dos aprendizados
históricos registrados. Explico: se o crescimento deriva da capacidade
de superar as pequenas e grandes mortes cotidianas que atravessamos, dos
prazos de validade que as coisas têm, então não saber pontuar alguns
finais podem nos deixar sem o desenvolvimento destas maturidades. Deixar
em aberto é não preencher conosco alguns buracos da nossa história.
Talvez, não (re)conhecer o tempo lógico das coisas.
Com relação
aos ciclos, a relevância das histórias nas uniões afetivas parece ser o
tema de uma canção de Jorge Drexler. “Todo se transforma”, ilustra que
ao nos relacionarmos, projetamos aquilo que recebemos, ou seja: o que já
trazemos como nossa bagagem; pois já sempre estamos em algum ponto de
nossa própria história. Nesse sentido, quando nos encontramos com o
outro, “cada uno lo da, lo que recibe, y luego recibe lo que da, nada es
más simples, no hay otra norma: nada se pierde, todo se transforma.”.
Projetamos a nossa história e ao mesmo tempo somos projetados
historicamente pelo outro. Tudo se transforma em história quando estamos
afetivamente juntos. E desse modo, tudo se transforma em nossa
história. Daí, o quão fundamental parece ser a maturidade com que
manejamos a nossa vida histórica. E que encerrar as histórias passadas
pode ser um importante aprendizado.
Jayme C
segunda-feira, 22 de dezembro de 2014
quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
relações e desejos
A (anti)ética do desejo
Um critério possível para um casal estabelecer em uma
relação a dois é o da ética do desejo. Ou seja, que as pessoas sempre
façam aquilo que estão querendo quando distantes e não precisem compor
os desejos. Evita que o outro seja visto como uma castração, na medida
em que sempre apóia que banquemos o que queremos fazer.
Não ser sentido pelo parceiro como um obstáculo para a
execução do seu querer é uma importante conquista de algumas relações.
Não que seja fácil conseguir esse horizonte. Muita afinidade, diálogo e
lealdade são elementos decisivos nessa constituição. Além de muito amor,
é claro, pois a entrega de ambos à relação deve ser sentida com
reciprocidade. A existência ou não de similitude na dedicação de cada um
serve como termômetro da relação.
Entretanto, a ética do desejo pode ter os seus revezes. Nos
momentos de instabilidade na relação, pode ser um fator de insegurança
para o parceiro. Quando os casais atravessam turbulências, por vezes os
sujeitos se abrem para vivências às quais estavam fechados nos tempos de
felicidade... Nesses contextos pode-se ter dificuldade ao optar pela
ética do desejo. Em outros termos, talvez se devesse perguntar como agir
quando o nosso desejo se torna colidente com o desejo do outro. O que
fazer entre bancar o que queremos e a necessária consideração com o
parceiro em nossas opções? Nesses momentos, a ética do desejo pode
implodir de vez com uma relação que está cambaleando.
Um olhar antropológico, sobre essas questões, pode apontar a
primazia do individualismo como base da ética do prazer, pois uma
relação com esse grau de liberdade só se realiza com duas pessoas com
concretude, que se satisfazem consigo mesmas, que sejam plenamente
independentes. A essa concepção pós-moderna se contrapõe outra que não é
capaz de conceber amor sem a união dos corpos, dos desejos e dos
projetos de vida. Tradicionalmente, o amor não é viável sem que as
pessoas sejam capazes de se entregar ao outro.
É difícil construir critérios quando estamos nos
relacionando afetivamente com alguém. Cada sujeito é um mundo com as
suas particularidades históricas. E, desse modo, cada um dos amantes
chega à relação com um modo de ser único em suas práticas. Talvez, o
desejo do outro seja um excelente critério quando conhecemos bem o nosso
parceiro. Talvez, funcione quando haja sintonia nas maturidades de
ambos. Ou não, talvez a ética do desejo se revele frágil nos momentos de
crise ou de falta de reciprocidade na transparência. São os paradoxos
de um mundo no qual os valores estão constantemente em franca
transformação. Como diria Caetano, em seu terno dom de iludir: “cada um
sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
Jayme C.
Jayme C.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2014
paradigma da dor
Chão de barro
Quando minha avó morreu
abriu-se o chão e eu cai num abismo. Isso porque, mantive uma complexa relação
de amor com ela. O que me atrapalhou na demonstração de afeto a outras pessoas
enquanto ela foi viva. Em verdade, o afeto partiu dela.
Meu avô, com quem ela casou
com 18 anos, sofreu um acidente e morreu repentinamente quando ambos tinham 46
anos. Ficaram apenas as três mulheres – minha avó, minha mãe e minha tia. O meu
avô se chamava Jayme de Azevedo Camargo. Eu nasci quatro anos após a sua morte,
e minha mãe lhe rendeu a homenagem projetada no nome que me deu. Resultado de
tudo, é que fui dois “Jaymes” no imaginário delas.
O sofrimento pela perda
de vovó foi até seu último batimento cardíaco. Deu-se ao vivo. Era uma tarde
abafada de setembro. Minha avó estava tomada pelo câncer e sabia-se que eram os
seus últimos dias. Estava em um quarto do hospital e não na UTI, pois não havia
mais volta. Saí da Puc às 11 e 30 e fui direto para lá, onde encontrei minha
mãe. Pouco depois, fomos para casa almoçar. Imediatamente, após comer disse
para mamãe que ia voltar para o hospital. Discutimos, pois ela queria que eu
fizesse outra coisa antes de voltar para junto de minha avó.
Saí porta afora e voltei
para o hospital. Estava no quarto, eu, uma sobrinha de minha avó e mais uma
pessoa que não me lembro. Eu estava sentado em um banco bem junto ao leito,
abraçado nela. Meio que cochilei e me acordei com a fala da sobrinha: “o
coração da tia está parando de bater”. Comecei a chorar e abraçado em sua
barriga fui sentindo o coração de “vovolinha” lentamente parar. Como disse no
começo, fiquei sem chão.
Anos depois, em uma das
muitas sessões de terapia com o meu querido ex-psicólogo Dr. Fausto Lemos, eu
me percebi relatando que não apenas tinha caído em um abismo, mas que no fim da
queda eu me esborrachei em um chão de barro, aquele barro bem vermelho. Senti a
condição de nenhum outro horizonte que não apenas o chão duro de barro
vermelho. Dá para se imaginar o que significou esse sofrimento na minha pele...
Foram meses de muita dor. De lágrimas incontidas em dias de torpor existencial.
O maior sofrimento da vida.
Esse momento vivido há
14 anos tornou-se o meu paradigma para o que é sofrer e sentir dor. Em palavras
terapêuticas, o meu mito de (re)fundação existencial. Acho que talvez por isso
o meu imaginário referiu-se ao chão de barro, metáfora perfeita para a
possibilidade de re-modelagem. A mistura da dor com a sensação de estar perdido
é algo deveras difícil no horizonte do sentido. Enfim, ao se tornar o meu
referencial de sofrimento, a perda da minha avó só vem à tona nos momentos mais
difíceis. E sempre reverbera um ensinamento em meu coração: só a morte encerra,
em definitivo, as nossas possibilidades. No mais, como diria um amigo poeta,
vida é fortuna, fado e circunstância.
Jayme C.
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