terça-feira, 11 de maio de 2010

Encontros e (Des)encontros


Encontros e (Des)encontros...

(São três e vinte da manhã de um sábado para domingo, que não bastasse chuvoso, foi atravessado por um feriado farroupilha na quinta-feira.)

Não encontramos na rua aquilo que devemos trazer de casa. E não estamos falando em educação. Não. Poderíamos colocar a metáfora do seguinte modo: não adianta querer encontrar no mundo exterior o que devemos trazer conosco em nosso intimo. Em certas ocasiões, imaginamos ao sair para à noite, encontrar nela alguma pessoa que nos encante. Por mais que não seja esse o único horizonte que nos mova ao nos jogarmos à balada, é inegável haver lá no fundo um resquício de desejo que o “amor-da-nossa-vida” esbarre em nossa existência. Embora já saibamos que a vida é a arte do encontro, percebemos que os inúmeros des-encontros que se dão, talvez tenham sua causa na incapacidade das pessoas de antes se encontrarem consigo mesmas. Isto é, não podemos buscar nos outros aquilo que deveríamos carregar em nosso poder. Por essa razão, quiçá, tanta gente não tenha conseguido ainda encontrar-se verdadeiramente com o outro, pois que se acaba buscando neles uma resposta às próprias carências. Seria mais profícuo esperarmos do “outro” uma espécie de plus-subjetivo, a esperar que seja algo como a resolução de nossos conflitos interiores. Fazendo uma reflexão acerca dos momentos nos quais apareceram os nossos maiores afetos, percebemos que acabaram sendo “tempos” de considerável tranqüilidade. Nossas carências são apenas “nossas”, assim devendo ser atendidas domesticamente. Não podemos ter uma relação de necessidade com o outro, vez que toda a necessidade acaba sendo expressão de exigência(s). Talvez tenhamos nesse aspecto a causa de tantas relações calcadas na posse sobre o outro, o que também explica o ciúme corrosivo que marcam tais relações. Toda a exigência implica em cobrança. Dessa forma, necessidade deve ser algo que devemos sentir tão somente por nós mesmos - à medida que assim fazemos as cobranças necessárias ao nosso próprio “eu”, exigências de fato fundamentais. Nossa constituição enquanto sujeitos, embora se verifique no “olhar-do-outro”, não pode ser – no outro. Devemos assumir a nossa existência, nos entregando a nós mesmos. Aliás, parece ser essa a importante radicalização da nossa própria condição, visto que ninguém nunca nos perguntou se queríamos nascer, o que nos situa desde sempre tendo-que-ser. O nosso projeto de felicidade existencial deve ser nosso, tendo assim seu ponto de partida estruturado em nossas próprias referências. Não podemos projetar a nossa expectativa de felicidade sobre o outro. Resulta como um fardo pesado demais. Não apenas sobre o outro enquanto outra pessoa, mas também enquanto outro lugar, outro trabalho, outro objeto qualquer de nossas vidas... Ao despejarmos tal expectativa de felicidade sobre qualquer outro que não a nós mesmos, tornamos aquilo que nos é mais próximo em algo distante e impessoal - viés característico dos objetos enquanto tais. Daí a conseqüência da angustia ser o sintoma existencial de nossa geração. Verificamos na angustia a essência de nosso tempo. Ao questioná-la, portanto, vislumbramos a explicitação do problema ora analisado. Partindo da constatação de que a angustia revela a presença do nada, a pergunta se transforma em: como o nada pode ser alguma coisa - se ele nada é? A angustia se perfaz como a presença do nada, no sentido de que quando estamos angustiados nos faltam às palavras; ou seja, as palavras “nos” são cortadas. A angustia nos corta as palavras, pois quando ela vai embora e nos sentimos plenos novamente, nos indagamos sobre o que nos acometia, e logo concluímos que “nada havia”. A angustia é, portanto, a presença do nada. E esse corriqueiro acossar pelo nada, nos mostra como os objetos são incapazes de representar a nossa existência. Explico: tendo em vista a força com que, por vezes, esse nada nos interpela, torna-se vaga e distante nossa própria realidade cotidiana. Esse desconforto acontece como decorrência da angustia tornar aos objetos impossíveis, vez que é através da linguagem que os representamos, e pela angustia nos cortar as palavras - acabamos não conseguindo dar sentido às coisas. Não pode estar fora de “nós”, em suma, o nosso projeto de felicidade, vez que assim tal projeto se constituiria em algo como um objeto. E esses tampouco são possíveis em alguns momentos – como na circunstância acima caracterizada. Nos resta, assim, uma derradeira indagação: como aquilo que é mais nosso, isto é, a possibilidade de nossa felicidade, em algum momento ser impossível e impessoal? É por conta disso que o projetar dos nossos projetos deve estar radicalmente suportado em nós mesmos. Encontraremos nos outros, dessa forma, os parceiros de projeção, aqueles que devido à afinidade compartilharemos o ser-com; mas que também não deverão fazer da sua projeção a busca de um objeto externo, que revelamos não poder residir fora da ordem interna do sujeito. Muito embora os tantos desencontros desta vida, ela ainda é a arte do encontro - consigo mesmo - espécie de “encontro fundamental”, condição de possibilidade que todos os demais encontros aconteçam...

(São seis e doze da manhã de um domingo chuvoso que começa a nascer.)

Jayme Camargo da Silva - 2008/2010

Um comentário:

  1. bom, sempre leio, nunca comento. te digo agora que esse teu texto foi o que eu mais gostei, e já gostei um tanto de uns tantos outros textos daqui. beijo jaymin.

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