terça-feira, 5 de setembro de 2017

Um olhar para o que se tem
Quando perdemos algo é forte a tendência de ficar obsessivamente pensando no que foi perdido. E parece ser uma tônica na vida perdermos pessoas (por mortes morridas), amores (por mortes sofridas), trabalhos (por cortes que não deixam saídas)... Enfim, até amigos perdemos, tendo em vista o modo como aconteceram as caminhadas da vida. Nesses momentos em que estamos no mar turvo das derrotas, colocamos no mais pleno esquecimento o resto todo. Aliás, entramos em um jogo constante entre o resto do Mundo versus aquilo que não temos mais. E o nosso cego apego ao que perdemos nos coloca jogando ao seu lado, no vazio herdado.

Enquanto isso, o resto do mundo continua existindo cheio de possibilidades e de experimentações concretas de coisas que não fizemos anteriormente. E mais, é o que temos, sobretudo em face daquilo que se foi. Ou seja, é no mínimo razoável que tenhamos a lucidez de olhar para o todo.  Além disso, há uma parte muito especial nesse todo que é a das nossas construções. Isto é, o aconchego da nossa própria casa, que permite ser um porto agradável e seguro em meio às tempestades; os amigos que cultivamos e que nos brindam com a plenitude do amor fraternal; a delícia que é trabalhar com algo que nos toca o coração; os amores lindos que vem e que vão.

Talvez, o grande detalhe seja o tempo, ou seja, refletir e tentar chegar à resposta se era o tempo certo para se perder o que foi perdido. Essa avaliação é difícil, mas pode nos conduzir a melhor elaborar o luto, ou enxergar que não está morto aquilo que ainda vive. Lançar um olhar para o que se tem... Pode nos tornar mais leves, melhor humorados e com a confiança ressignificada. Afinal, como apontou um filósofo alemão, “o possível é sempre mais fecundo que o real”.

Jayme C.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

termômetro existencial

Termômetro existencial
Para o cara ser feliz tem de ser bem resolvido financeiramente, tem de ter grana, sob pena de não ter acesso aos melhores bens materiais da vida (viagens, passeios, conforto em geral). Mas tem que ganhar o “capim” fazendo o que se gosta, senão bate a crise existencial e instaura-se uma razão para justificar o nosso lado mal-humorado e reclamão.
O cara também não pode ser carente na relação com a família, com os amigos e com o amor. Tem de ser seguro o suficiente para que esse tripé não o sinta como um peso, mas, ao mesmo tempo, ser afetivo e atencioso, sob pena da tríade subjetiva (não) sentir a reciprocidade do amor que lhes dirigem. Para achar a sintonia fina interior, o cara gasta com análise e terapia, na medida em que apenas a minoria já vem com a ansiedade controlada de fábrica. Ansiedade, carência e insegurança, três estados subjetivos que tem de se lutar diariamente, sobretudo para jamais projetá-las sobre o outro (luta que infelizmente sabemos que não venceremos em 100% dos dias).
O cara tem de ser equilibrado em uma miríade de circunstâncias que constituem a sua vida. Tem de ter uma existência meio bossa nova e rock’n roll. Ou seja, tem de ser meio louco para não ficar sempre na mesmice quadrada, mas ao ser ousado tem que cuidar a sua integridade física, moral e psicológica. Toda vez que descuidamos e exageramos na ousadia/loucura, além dos problemas concretos que criamos, somos julgados pelo tribunal da razão alheia, local que “volti-e-meia” ocupamos no vacilo dos outros. Enfim, o cara não pode ser muito hedonista, porém também não pode ter uma relação estéril com o prazer.
O cara tem de fazer exercício regularmente, tem de cuidar o que come, onde mora, da sua imagem e do seu ego (é importantíssimo ser pelo menos tão autocrítico consigo quanto se é crítico com os outros). Os filhos únicos, em geral, têm de redobrar os cuidados, na medida em que muitas vezes foram criados por pais que não se trataram e que acabaram estimulando o desenvolvimento de déspotas egoístas. O cara tem de ser inteligente, sagaz e bem-humorado, caso deseje ser (reconhecido como) uma pessoa interessante.
Esses são alguns dos meus critérios para vislumbrar a independência plena; não acho que sejam válidos universalmente, ou seja, estou apenas compartilhando uma transparência (não quero determinar nada para ninguém). Em suma, o cara tem de ser independente na relação com os outros, porém deve saber que é no contato com os outros que mostramos quem realmente somos. Quiçá, essa seja uma interpretação possível do verso de Pessoa: “eu não sou, eu sou o outro”; isto é, os outros são o nosso termômetro existencial.
Jayme C