segunda-feira, 27 de junho de 2011

ficção da realidade ou realidade da ficção?

A primeira injeção de Rossalee

Eles eram grandes amigos da vida. Pois ela havia os colocado lado a lado. Estudaram na mesma academia, porém lá não compartilharam nada. Ou, melhor, lá só compartilharam o nada. O encontro com Rossalee, entretanto, havia se dado no turno da lua. Eram idos de 2007. Estavam na casa de um deles. Tinham feito versos beatniks e mexido “intensa-a-mente”. Uma noite a lá William Burroughs, ou seja, com os seus devidos dionisíacos ingeridos. Cansados da masturbação poético-intelectual, caíram na rede. Como dois participantes da era virtual, tiveram na Internet a promessa da masturbação oral. A inodora rede acabou pescando Rossalee. Primeiro passo: entraram no MSN. Segundo movimento: identificaram a vítima; ou, em linguagem de máquina, o vírus. Que era a carência de Rossalee. Terceiro passo: a utilização do argumento do sonho de Rossalee. O argumento do sonho se deu em várias partes. Primeiro eles chamaram Rossalee dizendo que haviam sonhado com ela. Rossalee, empolgada como toda mulher ficaria, ao ver à janela emeesseênica teve a sua barra de tarefas laranja. A janela piscava. O barulinho do MSN fazia com que seus ouvidos transformassem aquele chato barulho em tesão e jazz. Ella perguntou: “é mesmo? O que vocês sonharam?”. Sonhamos que estávamos em uma praia deserta, que chovia e nos escondemos em um quiosque. Nele estava teu antigo diário. Ele descrevia o teu primeiro beijo... Cada parte, é importante sabermos, era pausadamente enviada, fazendo com que cada pergunta de Rossalee a tornasse mais envolvida com a história na resposta. Quando da pausa da última parte do sonho, Rossalee não se agüentou: “o que vocês estão fazendo? Onde vocês estão?”. O medo de perdê-los ins-pirou à vontade de ir vê-los.Os rapazes estavam literalmente no Centro, nas imediações da Alberto Bins. Rossalee, não longe, estava na Independência, isto é, bem próxima ao Centro e ao mesmo tempo independente. Pediu que fossem buscá-la. Os rapazes, cavalheiramente, não hesitaram o chamado de Rossalee. Conduziram-na ao centro. Tinham segundas intenções. Ela era virgem e sonhava ser feita mulher. Não havia transado ainda, pois duvidava da capacidade de um homem para tal. Sonhava com dois. A metafísica da vida os deu. Os rapazes retribuíram as expectativas do sonho de Rossalee. Corresponderam a toda intimidade de sua terra prometida. Como messias do sexo a transformaram em uma das poucas mulheres naquela noite com as suas expectativas plenamente confirmadas. Rossalee nunca mais foi à mesma...

Vado Vergara e Jayme Camargo

quinta-feira, 23 de junho de 2011

mu-dança...

Mudar: mu-dança.

Re-encontrei uma colega que não via há mais de 11 anos. Havíamos sido colegas no segundo grau. Ela cursou biologia e trabalha com acessoria ambiental. Nos conhecemos quando eu ainda era meio selvagem. Selvagem no sentido de demasiadamente chato. Eu tinha 16 anos e era muito guri. O tempo passou. Atravessaram a minha vida diversos acontecimentos. Meu “mito-fundante” morreu. Estudei em lugares bem diferentes como o direito da PUC e a filosofia da UFRGS. Amores passaram. E, principalmente, amizades sólidas se constituíram. A carência oriunda do vazio de amigos hoje é quase inexistente. Aliás, isso faz toda a diferença. Ter amigos que te procuram quando os seus corações estão cambaleando. Eis, para mim, uma grande prova e marca de uma amizade consistente. Não posso falar como a colega era 11 anos atrás, pois não a conhecia bem. Mas, devo frisar que naquele momento ela não foi nada pré-conceituosa. Não me olhou com os olhos do passado. Ela havia convivido comigo na época em que eu beirava a barbárie comportamental. Tinha tudo para colocar esse filtro em seu olhar. Fiquei surpreso pela sua sensibilidade. Ela creditou-me a possibilidade de ter mudado. Mudar é a palavra-chave. Abre as portas para que se qualifique o cotidiano. As pessoas no cotidiano cada vez mais mudam menos. As pessoas conservam. Normalmente adotam um ponto fixo e são conservadoras. Dizem não a mudança. E assim falta a dança, falta um movimento na sua vida. Em geral as pessoas estacionam em suas selvagerias. Sorrindo a colega me disse: “estou impressionada, como tu estás diferente”. Eu compreendi: não sou mais o selvagem de outrora! Ela nem sabe, mas sacou a minha essência ao dizer “diferente”. Sensibilidade com a diferença. Eis, talvez, a essência de minha mu-dança...

Jayme Camargo, quinta-feira, 23 de junho de 2011 às 18:47.

terça-feira, 21 de junho de 2011

os homens não escutam as mulheres...

Os homens não escutam as mulheres (crônica de uma morte anunciada).

Os homens, em geral, não escutam as mulheres. Não dão bola para o que elas dizem durante um relacionamento. Todas aquelas reclamações que elas fazem com afeto. Elas falam, falam, falam, até cansarem. Daí primeiro elas param de falar. Depois param de sentir. E finalmente param de querer conviver com quem não as escuta. Para todas que não são levianas com as palavras, isto é, que prezam e são verdadeiras com aquilo que dizem, é broxante não ser escutada por aqueles que amam.

As mulheres falam a partir do seu local-de-fala, ou seja, falam enquanto mulheres. Os homens nem se dão conta que ainda não estão preparados para escutá-las como mulheres. Tentam escutá-las a partir do seu ponto de vista. E assim apenas as ouvem, mas nada é processado, ou seja, elas não são escutadas. São exclusivamente ouvidas a partir de uma visão masculina. Isso fulmina com a relação na prática. Elas se sentem desmerecidas em seu amor, pois o que queriam transmitir é exatamente a afetiva manifestação prática. Estar "perdendo" tempo com aqueles que amam é uma prova de amor para as que tampouco são levianas com o seu tempo.

Elas costumam falar aquilo que lhes incomoda, mas os homens egóica e vaidosamente não registram. Acreditam que o amor que lhes é dirigido será eterno e cheio de juventude. Os homens se posicionam como peter-pans, crentes que o feitiço do amor sobreviverá a adolescência da sua falta de ouvidos. Dificilmente ele sobrevive. Elas não agüentam e vão embora. Choram primeiro e os homens quando cai a ficha de que deveriam tê-las escutado. Pouco antes de partirem, quando das últimas discussões, ainda estão sujeitas a ouvir dos homens: "mas, você quer terminar assim, do nada... você nunca disse nada, eu não sabia que algo estava errado...". Elas quase sempre falam. São até debochadas pelo universo masculino por falarem demais.

Aliás, devemos fazer esse meia-culpa: os homens passam todo o durante a relação reclamando das intromissões delas, de suas falas exageradas. Pois, quando estão sendo abandonados, reclamam que elas não disseram nada. E o que é mais trágico, os homens inúmeras vezes fazem a pior fala que pode se dar para uma mulher que está nos deixando - "você destruiu a minha vida". É a confissão de que não a ouvimos e nem nos demos conta de tal esquecimento. Além de revelar a dependência por carência que toda a zona de conforto gera. Quem já perdeu a preciosa paixão de uma mulher legal e interessante, por não tê-la escutado, sabe a dor que dá depois que cai a ficha do erro. As mulheres falam e dessa forma dão os caminhos para que as façamos felizes. Evitemos o evitável e assim deixemos o sofrimento por conta do inevitável. Talvez assim emancipemos os nossos corações. Talvez não. Às vezes é uma questão de sorte encontrar alguém que escute o nosso amor.


Jayme Camargo

quinta-feira, 9 de junho de 2011

qual o tamanho dessa mágoa?

A garota veio me dizer na noite: “vim te dar oi, pois acho ridículo não nos cumprimentarmos. Mas, fique sabendo que eu ainda não te aceitei no facebook, pois ainda estou magoada”. Bem assim... No meio da pista de dança. Eu de pronto respondi: “nossa, você ainda está magoada, a minha mágoa já passou...”. O Lucinho, dias atrás, comentou: “sim, né, vocês trocaram farpas desmedidas”. Isto é, houve reciprocidade nas ofensas. Enfim, dias após acabei refletindo sobre o acontecido. E me conduzi a uma questão – qual o tamanho da mágoa dela para ela não ter aceitado o meu facebook? O fato era: ela havia ido me cumprimentar. O que era maior (mais importante), seus cumprimentos “ao vivo” ou a recusa virtual? Qual era o tamanho da mágoa? O mais engraçado é que quando fiz meu facebook optei por convidar todos os meus contatos do hotmail. Não escolhi pontualmente, ou seja, a tal garota veio no vácuo de todos os contatos. Guardar mágoas não me parece ser um bom horizonte. Cordialmente repeti desculpas já dadas outrora. Ela aceitou, porém disse que agora ainda demoraria para digerir as atuais desculpas. E que assim demoraria mais um pouco para aceitar meu convite “facebookeano”. O facebook é importante para ela. Foi uma óbvia conclusão. Entretanto, restou-me uma dúvida – qual o tamanho dessa mágoa?

Jayme Camargo

segunda-feira, 6 de junho de 2011

carta dos direitos humanos


Mudar é difícil, mas é possível.
Paulo Freire


Carta aberta de uma mãe em defesa de um filho: a “declaração materna(l) dos direitos humanos”

Caro filho, quem te escreve é tua mãe. Aquela que te colocou no mundo. Que tentou te cuidar enquanto pôde. E que não mais podendo, cuidou que a ética do cuidado fosse re-memorada entre os homens. A ética que as mães têm por seus filhos – do cuidado pelo amor. Tu, meu filho, deverias ser reconhecido entre os homens. Quando finalmente os direitos serão “humanos, demasiado humanos”?! É minha pergunta para tais “homens”. Que te levaram de mim, porém agora te abandonaram no mundo. Eu, na qualidade de tua mãe, jamais fecharia a porta para a tua entrada. Jamais te deixaria na rua, jamais te deixaria jogado. Olha os homens des-humanos, ciborgs de coração gelado, que te rejeitam à sarjeta... Acorda meu filho! Olha para o que fazem contigo no cotidiano... Olha para como as pessoas esquecem o teu ser. Esquecem a tua existência. Olha o que fazem com aquilo que lhes parece diferente. O olhar que as pessoas executam quando olham para a diferença. Os homens te executam ao executar a diferença. Olha para aqueles que se amam e que não tem liberdade para poder amar. Tão somente por causa de alguma diferença na composição dos pares. És esquecido e assim pessoas que se amam são discriminadas por se amar. És duplamente executado quando pessoas “selecionadas” pelo sistema das grades, são destruídas subjetivamente pela seletividade. Sejam grades de condomínio, ou grades de “penitencia-diária”. Olha e não te engana, meu filho, os homens continuam brigando por motivos de cor. Continuam no dualismo pré-conceituoso entre o escuro e o claro. E assim eterna-mente perdem a beleza dos arco-íris. Os homens, tolos reféns dos objetos, lutam por seus egos. E assim também és executado... Olha o que os homens fazem contigo, em nome de algo que eles próprios definem como o “normal”. Passei a vida querendo encontrar o tal “normal” e acabei muitas vezes perdendo minha própria história. Eu reconheço – meu amado filho – que também erramos. Que muitas vezes em teu nome cometemos alguns atropelos. Sabes como são as mães, não medem esforços para verem seus filhos se desenvolvendo... Por isso mais essa súplica. Mais esse texto. Testa a tua retirada como a abertura para um re-começo. Como a abertura de um reconhecimento. Ou, alternativamente, voltas para casa. Sai desse mundo se ele não demonstrar que te mereça. No seio de tua mãe aos teus filhos não faltará leite. À tua vida não faltará diferença. Ao teu histórico espírito não faltará memória na guarida. Guarda a tua própria vida - é o que te peço. Não imaginas o que seria para a tua velha mãe Vida, ter que presenciar ao teu enterro. Na des-humana terra em que ainda reina o preconceito. É mais difícil quebrá-lo do que quebrar um átomo, disse Einstein no ensejo. Talvez, meu filho, esta seja a "partida". O começo pela quebra do preconceito. Escreverei para que os homens o destruam. Pois será a tua vida que estará em jogo. Não quero te perder mais em guerras, em viadutos, em guetos, ou, favelas. Não quero mais te perder por questões de gênero. Tua gênese é tua própria natureza; e teu sonho – deuses. Sonho contigo saudável no cotidiano. E assim me faltam palavras. Restam-me soluços, lágrimas e desespero. Como tua mãe, sinto as dores do sofrimento de todos aqueles que não têm acesso. Ace(n)ssibilidade como um todo. É o “outro” como respeito. Um casamento com a alteridade. Ela é o amor que te desejo. Ela te dará a saúde na doença. O amparo na justiça. Um lar para tua vida. A tua vida é a minha maior pré-ocupação. Deves saber que Não há problema maior para uma mãe do que a vida de seu filho. És um pedaço de mim. Assim, és a vida desta velha senhora Vida. Tu, “Direitos Humanos”, meu amado filho, és a própria vida desta velha história chamada Vida...

Porto Alegre, sexta-feira 3 de junho de 2011.

Jayme Camargo da Silva