crime contra danço, logo vivo.”
Eboussi Boulaga
Simpatia é quase amor – notas sobre o cotidiano, mágica-da-vida e outras memórias...
Sô Frida Khalo por aqui.
Se o triângulo tem três ângulos
Sou quadrado e sem rumo
Perdido no tempo e ausente no espaço
Aos poucos me desfaço
Me desvelo transparente
Interpreto meus passos
Presente em meu passado
Me revelo no relevo da vida
Da minha ida não levo nada
E da minha volta me revolto
Minha alma é minha lama
Mas acalma minha volta sem ida
Revolta apartada – partida
Dado viciado - grande jogada
Se é pra mentir:
Minha alma é penada
Não teme despedidas
Jogada na vida sabe que morre
Sô Frida Khalo por aqui.
JAYME CAMARGO E "VADO" VERGARA
“A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social levou, na definição de toda a realização humana, a uma evidente degradação do ser em ter. A fase presente da ocupação total da vida social em busca da acumulação de resultados econômicos conduz a uma busca generalizada do ter e do parecer, de forma que todo o ter efetivo perde o seu prestígio imediato e a sua função última. Assim, toda a realidade individual tornou-se social e diretamente dependente do poderio social obtido. Somente naquilo que ela não é, lhe é permitido aparecer”.
Guy Debord, “A Sociedade do Espetáculo”.
A BELEZA DA MULHER (de como se constrói o poder na sociedade da aparência)
O cotidiano mostra freqüentemente que o tratamento que damos às pessoas não acontece de forma igual. Por mais que os códigos sociais teimem em prescrever a igualdade, nossa natureza não está nem um pouco preocupada com tais determinações. Devendo ser entendida a nossa natureza, a partir daquilo que podemos conceber como a “aposta grega”, a saber, a definição de Homem como animal racional, tendo como ponto de partida a capacidade de discriminar o “verdadeiro” do “falso”, como também o “certo” do “errado”. Essa referência se faz importante, à medida que todo o desenvolvimento do pensamento ocidental foi um constante debate com a fundamentação de Homem exposta pelos gregos. Entretanto, ao salientarem a racionalidade como traço decisivo para o ser humano, os gregos esqueceram a também constitutiva animalidade. Relegaram para um segundo plano, dessa forma, aspectos como a nossa percepção sensível (nossos sentidos). Talvez temerários exatamente daquilo que hoje em dia se tornou à regra-do-jogo: a atividade de conhecer mediada pela(s) aparência(s). Segundo os gregos era impossível conhecermos o verdadeiro meramente pela percepção sensível. Todo o juízo oriundo do nosso assentimento é, no melhor dos casos, acertado por acidente. Platão dizia que aquilo que os sentidos nos mostram é a nossa mera opinião (doxa). O conhecimento que, por definição, é sempre o conhecimento do verdadeiro, tem como fundamento os objetos da realidade. Isto é, o mundo é quem definirá se determinada crença sobre ele procede ou não. Impossível conhecer, portanto, através dos sentidos, vez que eles não são o fundamento do conhecimento. Expressam apenas as nossas opiniões acerca do mundo. Importante esclarecer que os objetos da realidade são tudo aquilo que se opõe a nossa alma - a nossa subjetividade. Enquanto somos sujeitos do conhecimento, o conjunto das demais coisas existentes constitui o mundo. Assim, todo juízo que fazemos (sendo ele em pensamento, oral ou escrito), é um juízo sobre o mundo. E será verdadeiro, dessa forma, apenas se revelar de fato como o mundo é; independente ao que nossa sensibilidade manifesta acerca do objeto em juízo. Creio termos chegado à “beleza da mulher”.
É um fato indiscutível que as mulheres bonitas desfrutam de privilégios nas sociedades ocidentais. Por exemplo: são inúmeras as vezes que estamos em um local público, e uma mulher bonita é atendida primeiro ou com mais dedicação pelo funcionário em questão. Essa é a essência do questionamento ora destacado, ou seja, será verdadeiro o juízo feito pelo funcionário acerca da mulher, ou será uma ilusão alimentada pela possibilidade do falso - sempre tangente aos nossos sentidos? Lendo a circunstância de outra forma: o que é mais importante para uma pessoa, àquilo que poderíamos chamar a Verdade da Beleza, ou, a beleza da Verdade? Melhor fosse cogitar, quiçá, o que seria prioritário não para um determinado sujeito em específico – solipsista – mas talvez para a nossa geração. Portanto, para nós enquanto civilização. Os gregos, como destacado, tinham horror ao “falso-sofístico”, essência do saber-aparente; excluíam, portanto, a possibilidade de se conhecer verdadeiramente pelas aparências. Aliás, há quase um século o homem se questiona acerca de seu “mal-estar na civilização”. Freud bem sabia do antagonismo irremediável entre as exigências do instinto e as restrições da civilização – tema principal de seu livro. Relendo a questão que se nos impõe, temos em nosso atual cotidiano um antagonismo irremediável entre a Verdade da Beleza e a beleza da Verdade. Verificamos a supremacia da primeira desde o nosso animal instinto individual. Já a beleza da Verdade se impõe como uma necessidade frente ao nosso desafio ético de dar certo enquanto civilização (cultura).
Não pretendemos encontrar uma resposta que corresponda corretamente à complexidade evidente do problema; pois além de questionarmos a linearidade característica de toda correção, não partilhamos nessa exposição de um constitutivo ideal de progresso. Nossa pretensão é a necessária clarificação do problema analisado. Acreditamos, assim, que às possíveis respostas passarão necessariamente por essa genealogia do problema. E o problema talvez resida essencialmente em nossos olhos. Nossa cultura pode ser vista como um “ensaio sobre a cegueira”. Saramago parece com-partilhar desse argumento. Ou seja, somos todos reféns da “beleza da mulher”. Nossos olhos são escravos da ditadura que uma mulher bonita impõe sobre o resto. Ditadura da Verdade da beleza que nos joga às trevas; é importante a referência. A verdade da beleza da mulher faz tábula rasa, e se constitui desde sempre como um “jogo-jogado”. Com a qualidade de sempre, Victor Hugo enunciou que “admirar uma mulher é sorver de seu veneno”. Somos literalmente seqüestrados pelo veneno que se revela a beleza de uma mulher. Nossa experiência cotidiana permite até mesmo dizer que a essência da beleza é a beleza da mulher bonita. Há implicações, contudo, oriundas dessa condição. Devido à força simbólica que se manifesta nesse poder - o fenômeno surge como uma questão fundamental. Aliás, “relações de força” revelam nossa essencial vontade de poder. Assim percebemos a influência decisiva de Nietzsche em Foucault. A beleza da mulher é pura expressão da vontade de poder constitutiva da condição humana.
É importante descrever sob um outro importante aspecto, a conseqüência de nossa condição. As mulheres, devido ao fato de serem olhadas, não se desligam nunca do antes referido “jogo-jogado”. Ao se constituírem como o obscuro objeto de desejo - dos olhos de todos - as mulheres estão sempre “jogando”. Há um determinado dia na vida da mulher (que possivelmente ocorra quando ela ainda é uma menina), no qual ela se percebe olhada pela primeira vez. Quando a mulher se percebe desejada pela primeira vez. É nesse momento ligado um “botãozinho”, que na maioria das vezes jamais é posto em “stand by” por elas novamente. Mas essa é só uma parte das implicações. Pois caso fosse apenas isso, não haveria tanta angústia, carência e desamparo entre “as donas do poder”. Essas três características bem típicas de nossa época acabam se perfazendo como a dificuldade das mulheres de estabelecerem alguns laços de cumplicidade. Laços, por exemplo, como os que se verificam em algumas amizades entre os homens. Aquele desligar o “botãozinho” de competição, e se entregar para a transparência de uma relação de parceria e cumplicidade concreta. O tão estimado laço do ser-com. É costumeiro ouvirmos amiúde que não existam relações de amizade que se comparem às dos homens. Se dois homens possuem o vínculo da amizade, então há um desligar de qualquer competição. Por isso ressaltamos acima, serem “todos os olhos” voltados às “belas”, a medida em que os olhos das “outras” também possuem essa direção. Verificamos esse detalhe, na intensa disposição à competição constitutiva do universo feminino. Desligar o “botãozinho” da competição. Eis a essência do problema. Como as mulheres apenas ligam e depois nunca mais lembram desse dispositivo, acabam pagando um delicado preço que se manifesta nos sintomas de nossa geração. Falamos em angústia e afins, mas poderíamos referir a contumaz escassez de relações não-descartáveis que pré-dominam nosso cotidiano. Ao nos relacionarmos da forma como estamos, nos relacionamos com o “descartável” de cada um. Finalizamos novamente com a genialidade “hugoana” nos “Trabalhadores do Mar”: “o corpo humano é talvez uma simples aparência, escondendo a nossa realidade, e condensando-se sobre a nossa luz ou sobre a nossa sombra. A realidade é a alma. A bem dizer, o rosto é uma máscara. O verdadeiro homem é o que está debaixo do homem. Mais de uma surpresa haveria se pudesse vê-lo agachado e escondido debaixo da ilusão que se chama carne. O erro comum é ver no ente exterior um ente real”.
Jayme Camargo da Silva.