Não há ser humano que resista a um espelho. Verificar como seremos vistos pelo “outro” é exatamente o que nos constitui como sujeitos. Almejamos ser desejados. Do desejo-do-outro a imagem funda a moda e nos deixa uma questão: será que somos chiques?
O CHIQUE DO BREGA
As sociedades modernas se caracterizam tendo como principal mito fundante a questão da imagem. Oscar Wilde, ao escrever o “Retrato de Dorian Gray”, pretendia nesse contexto não apenas des-construir aos costumes (hipócritas e conservadores) da sociedade européia do final do século XIX – começo do século XX. Wilde estava a destacar – tal como Tarantino o faz com o fato de nossa natureza ser transgressora e violenta – que o Homem ao questionar a existência de Deus, não mais o teria como sua imagem e semelhança; assim como os fervorosos religiosos acreditaram ao longo do mundo medieval. O homem passa a ser a medida de todas as coisas, assim tornando-se a sua própria imagem e semelhança.
Dorian Gray era um rapaz extremamente lindo da sociedade londrina. Ao servir de modelo para um amigo pintor, tendo em vista a precisão resultante da pintura, desejou que o quadro envelhecesse em seu lugar para que continuasse eternamente jovem e belo. Seu desejo é atendido e a partir daí sua vida sofre inúmeras mudanças.
A vida humana como um todo é afetada com a mudança do medievo às "luzes", pois a partir dela os homens passaram a se olhar mutuamente. Assim, passando a observar aos diversos modos de vestir e comportar-se possíveis a partir da modernidade. Nesse horizonte aparece o fenômeno da Moda, o qual se revela como um elemento determinante no passo dado pelo homem em direção à dimensão estética. A Moda a-parece como o novo Deus a ser seguido pelos homens, numa espécie de tentativa de reconstrução de um absoluto que atenda a todas as demandas humanas, como havia sido a figura do sagrado durante os séculos passados.
A Moda cria o chique e o brega. Funda o padrão de conduta a orientar o imaginário da integralidade das pessoas – o chique; como também o que (supostamente) não serve de referencial a ninguém – o brega. A Moda assume uma postura de estabelecimento de um padrão com pretensões universais. O chique se materializa na vida de cada um dos indivíduos como a grande meta a ser alcançada. O pensador francês, Guy Debord, fala em uma “Sociedade do Espetáculo”, na qual em um primeiro momento abandonamos o “ser” pelo “ter”, para após substituirmos o “ter” pelo “parecer ter”. Essa é a mais nefasta conseqüência que a relação de poder instituída pelo chique acaba promovendo: a frivolidade da ditadura da imagem faz com que as pessoas dêem sentido às coisas a partir de um referencial alheio as suas próprias vidas, portanto, vazio de si mesmas. A Moda impõe um materialismo efêmero, que termina por secar a nossa já escassa responsabilidade com os outros seres humanos. Nossa racionalidade acaba refém de uma verdade-do-objeto, muitas vezes gerando um vazio em nosso cotidiano.
O brega surge como tudo que se põe de maneira diferente ao status quo imposto pelo chique. Ao nos depararmos com referências distintas ao "correto" - o chique, definimos como sendo algo brega; principalmente ao nos referirmos ao modo de vestir das pessoas. Ao elucidar a construção do Chique - enquanto essência do fenômeno da Moda - é possível retirar o véu de nossa ignorância ao acreditar que ele exista concretamente além de em nosso imaginário. A exteriorização do que concebemos como sendo o chique, assim, torna-se uma evidente grosseria.
O denominado brega se perfaz como o modo de ser-no-mundo das pessoas desfavorecidas pelas relações de poder. Aquelas que subjugadas cultural-economicamente pelos mais fortes, ficam aquém do considerado chique pelos donos do poder. São bregas, segundo os chiques, por não se adequarem às formas que o mundo das aparências implica como padrões de gosto e conduta. Não se adaptam as aparências, pois sobrevivem em um lócus onde impera a 'transparência'. Aliás, é exatamente esse o chique do brega, uma vez que não há nada mais chique que a luta que as pessoas humildes travam contra as adversidades diárias que a vida cotidiana lhes impõe. Distantes do que o senso comum define como a “etiqueta”, possuem as relações embasadas na simplicidade verdadeira que estrutura o chique do brega.
É válido lembrar, ainda, que no livro de Wilde, quando Dorian Gray tem a sua vontade atendida, transforma-se em um sujeito devasso, egoísta e mau; muito embora a beleza assegurada devido ao não envelhecimento obtido. Quiçá tamanha harmonia nas formas implique em tantas mazelas na alma como acontece com o personagem. Possivelmente seja esse o preço do chique!
JAYME CAMARGO